DISCURSO DE FORMATURA LUIZA GARCIA LUCIO Dezembro de 2016

DISCURSO DE FORMATURA

LUIZA GARCIA LUCIO

Dezembro de 2016


Nunca pensei em qual era o significado da palavra “responsável”. Para mim era óbvio: responsável era quem tinha responsabilidades e que conseguia cumpri-las sem muitas falhas. Isso era o que me diziam. Isso era o que eu via em todos os adultos que faziam questão de gritar para o mundo que eram responsáveis.
         
Até que um dia, olhando nos meus olhos, um adulto (que não sei se é responsável ou não), me disse que a ideia de responsabilidade vinha do latim “respondere”, que significa “responder as coisas que o mundo te pergunta”.

Isso é muito mais difícil do que aparenta ser, do que imaginamos ser, pois o mundo nos pergunta coisas que não temos e nem teremos respostas. Perguntas que vão além das que estão nas provas que não estudamos para, além do ENEM e da FUVEST. Essas podemos considerar as perguntas “fáceis”, pois teremos o gabarito apenas algumas horas depois, e saberemos todos nossos erros e acertos. Além disso, tivemos professores respondendo-as para nós durante anos e anos, basta repetir.
         
Estou falando de perguntas como a da última plenária de Cubatão: “Quais são as motivações que dão sentido a vida cotidiana dos alunos do Equipe?”. Lembram? Que ninguém soube responder muito bem? E olha que tínhamos dicas: nós somos (éramos?) alunos do Equipe e nós convivemos com nossas motivações cotidianamente. Mas será que cotidiano é sinônimo de facilidade?
         
Na realidade, as perguntas mais difíceis de responder, ou mesmo de aprender a conviver com elas sem respostas, são as que ninguém vai verbalizar para nós, que ninguém vai nos cobrar para responde-las, mas que, mesmo assim, não vão nos deixar dormir a noite. Aquelas que não estão em nenhum texto, cartaz, filme, poema, e que nem “dando um google” acharemos alguma pista. Mas a responsabilidade que ganharemos com o tempo (que vai além de não deixar a comida queimar, pagar as contas no prazo, não esquecer o bilhete único em casa etc.) nos ensinará que, às vezes, não ter uma resposta é a resposta que temos no momento; que vamos rasurar e responder outra coisa por cima; que vamos ter respostas contraditórias para perguntas semelhantes; que deixar em branco é melhor do que colar da resposta dos outros; que as respostas se tornarão tão longas que ultrapassarão o limite da linguagem.

         Não sei o que aconteceu em Cubatão (ou, menos especificamente, o que aconteceu nesses 1, 2, 3 anos, em que Cubatão foi só o sintoma). Mas acho que foi uma angustia de perceber que, na procura de respostas, só achamos perguntas; que ao tentar responder as perguntas que o mundo nos fazia, não sabíamos nem responder a nós mesmos. E não espero que decifremos o mundo com tranquilidade, nem que nosso mundo se torne uma caixinha de respostas. “Decifra-me ou te devoro”, já dizia a Esfinge a Édipo. O que eu espero é que tenhamos a audácia de querer decifrar esse mundo e que essa audácia seja a única coisa a não se desmanchar no ar, como aconteceu, e continuará acontecendo, com nossas sólidas certezas.

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