Desemprego e emprego precário: o futuro que está sendo desenhado
Desemprego e emprego precário:
o futuro que está sendo desenhado
o futuro que está sendo desenhado
Clemente Ganz Lúcio (diretor técnico do
DIEESE)
Patrícia Pelatieri (coordenadora de
Pesquisas e Tecnologia da Informação)
Em 2017, a crise econômica
brasileira ingressou no terceiro ano, acumulando perda de 9,1% do PIB per capita e mais de 14 milhões de desempregados, segundo
o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O país “patina” na
recessão, sem conseguir consolidar alguma base que permita reação. As
medidas adotadas pelo governo Temer e seus apoiadores, de aprofundamento das
políticas de ajuste, desmonte da estrutura produtiva e venda de patrimônio,
sustentadas pelo discurso de “Estado Mínimo”, e a aplicação de uma agenda
liberalizante, como a das reformas, rejeitada em quase todo o mundo, têm levado
a economia brasileira a retroceder a indicadores dos anos 1990, como ocorre com
o mercado de trabalho.
Na Pesquisa
de Emprego e Desemprego (DIEESE/Seade/parceiros regionais), realizada em três regiões
metropolitanas e no DF, as taxas de desemprego continuam altas, com algumas
diferenças. Entre os jovens, o desemprego aumentou em quase todas as
regiões pesquisadas, na comparação de 12 meses, atingindo 48,7% na Região
Metropolitana (RM) de Salvador e 42,9% no Distrito Federal. Na RM Porto Alegre,
houve redução de 23,7% para 22,8% (-0,9%). Ainda que em menor proporção, a taxa
de desemprego para a faixa dos 25 a 39 anos de idade elevou-se nas quatro áreas.
A taxa de desemprego para as mulheres também cresceu em todas as regiões, com
destaque para Porto Alegre, onde aumentou 1,2%. Já para os homens, ficou
praticamente estável nas RMs Salvador e Porto Alegre. A taxa de desemprego dos
chefes de família teve queda na região de Salvador, mas apresentou alta nas
demais, sinal de grande preocupação, uma vez que, diferentemente das mulheres e
dos jovens, os chefes de família (maior proporção de homens com idade média e
escolaridade mais altas) não sofrem com discriminação no mercado de trabalho.
No
geral, nas regiões pesquisadas pelo DIEESE e Seade, a taxa de desemprego
praticamente dobrou em relação a janeiro de 2015 e impactou todos os segmentos
populacionais (Gráfico 1).
GRÁFICO 1
Taxas de
desemprego no DF e nas regiões metropolitanas
de São Paulo, Porto Alegre e Salvador
de São Paulo, Porto Alegre e Salvador
Meses
selecionados - 2015 a 2017
em %

Fonte: DIEESE/Seade/MTb e parceiros regionais. PED -
Pesquisa de Emprego e Desemprego
A taxa de desocupação (desemprego),
medida pelo IBGE por meio da Pnad (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios) [1],
registrou queda no trimestre maio-julho, de 2017, e contabilizou 12,8%, o que
representa redução de 0,8 ponto percentual em relação ao trimestre fevereiro-abril
(13,6%). Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior (de maio a julho
de 2016, a taxa ficou em 11,6%), registra-se elevação de 1,2% ponto percentual,
ou seja, eram 13,3 milhões de desempregados em julho deste ano, contra 11,8
milhões do ano passado (Gráfico 2).

Fonte: IBGE. Pnad 2017
Embora
bastante festejado, o resultado sinaliza muito mais uma acomodação do
desemprego em patamares muito elevados do que retomada consistente da geração
de postos de trabalho.
Vários
são os fatores que dão sustentação a essa afirmativa: (1) até 2014, a taxa de
desemprego medida pela Pnad/IBGE apresentava retração no segundo trimestre, movimento
também observado pela PED, do DIEESE-Seade. Portanto, são grandes as
probabilidades de que este movimento seja apenas a recuperação de um
comportamento sazonal, visto que, no segundo e terceiro trimestres de cada ano,
a atividade econômica ganha um pouco mais de força; (2) a taxa de desocupação,
medida pelo IBGE contempla apenas o desemprego aberto[2]. À
medida que o desemprego se torna crônico, entretanto, outras formas de
desemprego, que ficam ocultas pela intermitência da procura de trabalho ou pela
concomitância com ocupações temporárias (bico), começam a aparecer. Então, o
desemprego medido pela PED, embora não tenha a cobertura nacional apresentada
pela Pnad/IBGE, retrata um quadro proporcionalmente pior, com desocupação mais
intensa; e (3) o desemprego, que começou a se estabelecer a partir da crise
institucional instalada no Brasil, na passagem de 2014 para 2015, é persistente
e de longa duração. Como constata a PED, o tempo médio gasto pelos
desempregados na procura por trabalho, desde 2015, vem aumentando em todas as
regiões, continuamente. Na Região
Metropolitana de Salvador, atingiu 60 semanas em junho (duas semanas a mais que
no mês anterior e nove a mais em relação junho de 2016) e, nas RM Porto Alegre
e São Paulo, ficou em 43 e 37 semanas, respectivamente, (período igual ao do
mês anterior, nos dois casos, mas, na comparação com junho de 2016, aumento de oito
semanas em São Paulo e de cinco em Porto Alegre). A duração do desemprego, ou
seja, o tempo médio que o trabalhador leva para conseguir uma ocupação é
importante indicador da intensidade e profundidade da crise, uma vez que ficar
na situação de desemprego é estar afastado da vida social e se manter alheio da
construção social. Ademais, quanto maior o tempo de desemprego, maior a
dificuldade de manter a reprodução básica do indivíduo e da família.
Tão
grave quanto o elevado desemprego é a constatação de que os poucos postos de
trabalho gerados são, na maioria, precários, ou seja, a pequena queda na taxa
de desocupados acontece graças ao aumento
do trabalho autônomo, por conta própria e dos assalariados sem carteira
assinada. No último trimestre, segundo a Pnad/IBGE, o número de
empregados sem carteira assinada no setor privado cresceu 4,6% no número e o de trabalhadores
por conta própria, 1,6%. O trabalho doméstico ficou estável e as atividades
responsáveis pelo aumento do emprego nos primeiros meses do ano - agricultura,
pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura - apresentaram queda de 8% no
número de ocupados nesse trimestre (maio a julho). E, mais preocupante, o
emprego com carteira assinada no setor privado caiu 2,9%.
Outro
indicador importante para essa análise é o rendimento. O “rendimento médio real
habitualmente recebido em todos os trabalhos” foi de R$ 2.106,00 no trimestre
maio-julho de 2017, valor levemente menor do que o verificado no trimestre
anterior, quando ficou em R$ 2.111,00. Apenas os trabalhadores com carteira de
trabalho assinada tiveram aumento do rendimento médio (3,6%), o que sugere que
o resultado geral de estagnação é consequência da queda dos rendimentos entre
as outras categorias de emprego, como a dos trabalhadores sem carteira, por
conta própria e as domésticas, que, além de vínculos de trabalho precários,
também tiveram redução média dos rendimentos.
Assim,
o tipo de emprego gerado - além de ser insuficiente para que a taxa de
desocupação retorne aos patamares anteriores à crise - ocorre com o aumento da
precarização dos vínculos e maior instabilidade nos fluxos de rendimento do
trabalho.
Essa
situação tem impactos terríveis no curto e no longo prazo, para os
trabalhadores e para a retomada do crescimento. No curto prazo, o trabalhador
não tem acesso aos direitos trabalhistas (que ainda restam), como o 13º
salário, férias remuneradas, garantia de data-base, seguro-desemprego, FGTS, etc.
No longo prazo, os trabalhadores informais ou por conta própria, que, em geral,
não contribuem com a previdência social, terão dificuldades para se aposentar.
O fato de o aumento da ocupação estar acontecendo por meio do trabalho precário
tem provocado impacto inclusive sobre a receita da previdência social, ampliando
o desequilíbrio do sistema.
Também
a perda salarial afeta diretamente a arrecadação do governo (o que já vem
acontecendo), já que a estrutura tributária brasileira é fortemente concentrada
em tributos e contribuições baseadas no consumo e nos salários (estrutura
concentradora e recessiva, que não tributa patrimônio), portanto, diretamente
vinculada ao ciclo econômico. O crescimento econômico, com aumento do consumo e
do assalariamento, promove aumento da arrecadação fiscal. E o inverso ocorre, em
caso de queda da economia. Por isso é que fracassa a política de “austeridade”
tão proclamada pelo governo. Em um exame mais atento das receitas e despesas
públicas, de 2014 a junho de 2017, fica claro que, mesmo diante de um corte
agressivo de gastos (a despesa pública teve crescimento quase vegetativo, de
1,5% em termos reais), as receitas caíram em proporção muito maior, 11,4% em
termos reais, no mesmo período (consequência da recessão econômica), revertendo
o superávit verificado até 2013, com déficit.
Por
fim, é importante registrar que o crescimento do emprego, verificado até o
final de 2014, foi acompanhado de uma estruturação do mercado de trabalho, com
melhora dos diversos indicadores de emprego – taxa de ocupação, desemprego,
carteira assinada e rendimentos. Isso só é possível com crescimento econômico e
implantação de políticas públicas indutoras do desenvolvimento humano, social e
ambiental. Portanto, ao contrário do que vem sendo feito pelo governo e pelo
Congresso Nacional, é possível enfrentar o desemprego sem aumentar a
precarização do trabalho, com investimento público que dinamize a economia e promova
a distribuição da renda, privilegie a inserção ocupacional de qualidade, os ganhos
reais de salários e a ampliação da proteção ao trabalhador, criando uma espiral
positiva.
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