O emprego, o trabalho e os direitos sociais no Brasil – 2016 e 2017

O emprego, o trabalho e os direitos sociais no Brasil – 2016 e 2017
Clemente Ganz Lúcio[1]

Neste artigo faremos um breve balanço das questões do mundo do trabalho nos anos de 2016 e 2017 no Brasil, abordando o comportamento do emprego/desemprego, os efeitos da nova legislação trabalhista e do projeto de reforma previdência e indicar as ações realizadas pelo movimento sindical para resistir ao desmonte dos direitos sociais no Brasil.

1. O EMPREGO
         
         O desemprego no Brasil seguiu em alta em 2016 e atingiu no último trimestre 12% segundo a PNAD-IBGE (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A taxa média de desocupação no ano de 2016 foi de 11,5%, muito superior a taxa média de 8,5% em 2015 e 6,8% em 2014.
         No primeiro semestre de 2017 a taxa de desemprego subiu para 13,7%, o que representa que mais de 14 milhões de pessoas estavam impedidas de acessar a um posto de trabalho no Brasil. No segundo trimestre houve um recuo da taxa de desemprego para 13%, primeira queda estatisticamente significativa desde 2014. Esse desemprego vem acompanhado de uma taxa de subutilização da força de trabalho de 24% (pessoas que estão ocupados com jornada inferior a 40 horas semanais e desocupados) no primeiro semestre de 2017. O desemprego entre os jovens ficou em 43,5% (14 a 17 anos) e em 27,3% (18 a 24 anos) e entre as pessoas que se declaram brancas a taxa de desemprego ficou em 10,3% e entre os pretos a taxa de desemprego foi de 15,8% no segundo trimestre.
         O mercado de trabalho brasileiro tem atualmente quase 104 milhões de pessoas, 90,2 milhões de ocupados e outros 13,5 milhões de desempregados. Do contingente de ocupados, 68% são empregados, 4,6% empregadores, 24,9% trabalhadores por conta própria e 2,4% trabalhadores familiares auxiliares. No setor privado, 75,8% tinham carteira de trabalho assinada, mas esse percentual cai para 30,6% entre os trabalhadores domésticos.
         No desemprego medido pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (DIEESE/Seade/parceiros regionais), realizada nas regiões metropolitanas, as taxas continuam altas, mas há alguma diferença no comportamento do desemprego. A RM Salvador apresentou, em junho de 2017, desemprego em alta, com taxa de 24,9%; a RM Porto Alegre tem taxa de desemprego muito menor e estável, na casa de 11%; na RM São Paulo, o maior mercado de trabalho metropolitano, o desemprego é de 18,6% e, no Distrito Federal, de 19,9%, as duas áreas com redução das taxas.
Além da queda do ritmo de fechamento de postos de trabalho, os indicadores refletem a criação de vagas temporárias na agricultura e o aumento do número de trabalhadores autônomos, por conta própria e assalariados sem carteira assinada.
O travamento da economia torna a situação de desemprego duradoura. O tempo médio de procura por trabalho (segundo a PED) é de 60 semanas na RM Salvador, 43 semanas na RM São Paulo e 37 semanas na RM Porto Alegre.
Em resumo, o desemprego estaciona, mas em elevados patamares, deixando como resultado o desalento diante de extenso e tortuoso tempo de procura para encontrar vagas precárias no setor informal (autônomos e assalariados sem carteira).

2. A REFORMA DA SEGURIDADE E PREVIDÊNCIA SOCIAL

Mais uma vez a previdência e a seguridade social são objeto de ataque por parte do governo de plantão, visando reduzir os gastos. Argumenta o governo que a mudança demográfica – as pessoas vivem mais e há um menor números de crianças por família – terá forte impacto sobre os custos da previdência social, o que coloca o imperativo da uma reforma. Esses argumentos são discutidos em publicações do DIEESE e parceiros[2]mostrando as fragilidades e indicando outras formas de abordar esses desafios.
O projeto de reforma previdenciária, encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional no segundo semestre de 2016, foi debatido e está em processo de votação na Câmara dos Deputados. As inúmeras mudanças do projeto de reforma retardam, dificultam ou impedem o acesso ao beneficio previdenciário e da seguridade social. Amplia-se para 65 anos a idade mínima para homens e 62 anos para as mulheres acessarem ao benefício da previdência social. A idade para o acesso à seguridade social para os miseráveis também aumenta (66, 67 e 68 progressivamente até 2024).
Ao completar a idade, o trabalhador deverá comprovar no mínimo 25 anos de contribuição, critério que se não for atingido, impedirá o acesso ao benefício previdenciário. Se contemplados os critérios anteriores (idade e tempo de contribuição), há uma formula para o calculo do benefício que arrocha seu valor.
Outras inúmeras mudanças afetam as mulheres, os trabalhadores rurais, professores, entre outras categorias específicas, cortam os direitos das pensões, entre outras tantas mudanças para reduzir direitos e corta os gastos da previdência social.
Esse projeto de reforma é coerente com a mudança constitucional realizada pelo Governo e Congresso Nacional no final de 2016, colocando por vinte anos um limite ao gasto fiscal do Orçamento da União. Esse mudança legislativa promoverá uma redução à metade do tamanho do Estado brasileiro, objetivo este que impõem a reforma da previdência para atingir essa redução, cortando direitos e reduzindo o orçamento geral da previdência e seguridade social.

3. REFORMA TRABALHISTA – CONTEXTO E IMPACTOS

O Brasil se integra plena e de maneira subordinada ao capitalismo comandado pelo sistema financeiro. Simultaneamente, realizam-se no país enormes transferências das riquezas naturais e empresas, estatais e privadas, ao capital internacional. Uma desnacionalização em magnitude desconhecida no mundo capitalista se opera em meses, esquartejando empresas, desprotegendo reservas naturais, abrindo espaço aéreo e marítimo, enfim, vendendo barato, cedendo, tudo feito para o bom e livre funcionamento do mercado. Silenciosa, essa operação de ataque ao país acontece enquanto parte da nação desconhece o que ocorre e a outra olha atônita, sem acreditar no que vê.
O programa de desestatização é financiado com dinheiro público, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). As imensas dividas das empresas com impostos são perdoadas. A grave crise econômica coloca os patrimônios produtivos à venda a preço de banana. Terras, minérios, água potável e florestas oferecidos a estrangeiros. Investidores, empresas privadas e estatais do mundo inteiro.
Como parte dessa estratégia, em mais um lance ousado, Legislativo e Executivo transformaram profundamente a legislação trabalhista no fim do primeiro semestre de 2017. A nova Lei 13.467(confirmar)deixa de ser um sistema protetor dos trabalhadores e passa a proteger as empresas. 
A reforma alterou a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções coletivas e acordos eram pisos progressivos de direito. A partir de agora, a Constituição passa a ser um teto, a legislação, uma referência de direitos que poderão ser reduzidos pelas convenções; os acordos poderão diminuir garantias previstas em leis e convenções e; o indivíduo poderá abrir mão de muito do que foi conquistado a duras penas. Os trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” para reduzir salários, garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada, quitar definitivamente, na presença coercitiva do empregador, os direitos. O acesso dos trabalhadores à justiça foi limitado. Já as empresas ganharam inúmeros instrumentos que dão a máxima garantia e proteção jurídica e estão livres e seguras para ajustar o custo do trabalho.
São parte das mudanças vários novos contratos de trabalho (tempo parcial, trabalho temporário, trabalho intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho) que permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização em termos de jornada (duração, intervalos, férias, banco de horas etc.). As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com formas diversas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.
Nunca é demais recordar que, ao longo da história, os trabalhadores travaram uma árdua luta para legitimar o sindicato como escudo, diante da desigualdade na relação com o empregador. Quando o trabalhador se une ao sindicato, ele se fortalece, pois dá à instituição poder efetivo para defendê-lo do facão da demissão e da submissão à empresa; para negociar por ele; para ajudá-lo a resolver os problemas do trabalho etc. 
Para acabar com essa proteção, primeiramente, a reforma transfere para o trabalhador, individualmente, o poder de negociar diretamente com a empresa condições de trabalho, contrato, jornada e salário, sem interferência sindical. 
Outro artifício a ser implementado são as comissões de representação dos trabalhadores em empresas com mais de 200 empregados, cuja finalidade será a de cumprir funções que hoje são dos sindicatos. Nessas comissões, está proibida a participação das entidades sindicais, o que permite que as empresas as moldem às próprias necessidades, características, gosto e estilo de gestão. Os sindicatos e muitos dos que estudam o mundo do trabalho conhecem bem o funcionamento desse tipo de comissão, que representa, na realidade, os interesses dos patrões.
O terceiro recurso é acabar com o financiamento sindical compulsório (imposto sindical) e, intencionalmente, manter os efeitos das convenções e acordos coletivos firmados pelos sindicatos para todos. Ora, o imposto sindical é o financiamento compulsório das conquistas celebradas em acordos firmados pelos sindicatos. A experiência internacional indica que quando o financiamento é voluntário, os efeitos dos acordos e convenções devem ser exclusivos àqueles que para isso contribuíram, ou seja, os filiados aos sindicatos, de modo a criar mecanismos que incentivem a sindicalização. 
Além disso, a natureza antissindical do projeto avança para a exigência de que o trabalhador faça a opção por contribuir com o sindicato por escrito, todo ano. 
A justiça do trabalho, que agora será paga, terá sua tarefa reduzida à análise formal dos pleitos. A lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
Essa profunda mudança no direto trabalhista e do sistema de relações de trabalho, além de coerente com a desnacionalização e privatização da economia brasileira, também é parte das reformas trabalhistas que ocorrem no mundo todo desde 2008. A deformação trabalhista realizada no Brasil altera mais de 300 alterações na legislação trabalhista operando um verdadeiro ataque aos trabalhadores. A reforma trabalhista brasileira é um exemplo extremo, comparada a outras 640 realizadas em 110 países entre 2008 a 2014.

4. A RESISTÊNCIA

A vida em sociedade tem caráter de um jogo em aberto, que exige fôlego para continuar permanentemente lutando para mudar resultados. A história mostra que os oprimidos e derrotados constroem suas respostas, sempre!
Não há outro caminho que não seja o da resistência em todas as frentes. Um grande desafio é unir os que discordam dessas reformas e da entrega da soberania nacional, em uma frente ampla da resistência.
O movimento sindical, através das Centrais Sindicais[3], Confederações, Federações e Sindicatos de Trabalhadores de todo o país organizaram movimentos importantes desde o segundo semestre de 2016. No dia 08 de março, Dia Internacional da Mulher, em 2017, houve muitas manifestações que enfocaram os rebatimentos sobre as mulheres das medidas propostas na reforma previdenciária. “Nenhum direito a menos” foi o lema que uniu todo o sindicalismo na construção do movimento que acumulou forças com dois dias de manifestações nacionais e paralisações (15 e 31 de março), processo de mobilização que culminou na grande greve geral ocorrida no dia 28 de abril, parando centenas de cidades, milhões de trabalhadores em todo o pais, envolvendo trabalhadores, estudantes, organizações sociais. Foi a maior manifestação nacional realizada pelo movimento sindical despois da redemocratização do país.
Na sequencia, no dia 24 de maio, o movimento sindical organizou a maior Marcha da Classe Trabalhadora à Brasília, evento que reuniu mais de 150 mil trabalhadores de todo o país e que foi alvo de violenta repressão policial.
Esses movimentos foram construídos a partir da articulação política do movimento sindical denominada unidade de ação, que contou com o apoio e adesão de várias entidades do movimento estudantil e social. Foi uma grande experiência de luta, de enfretamento, que evidenciou um espaço para avançar. Contudo, mostrou também que o outro lado está unido no projeto de desmonte do país e dos direitos dos trabalhadores.
Os desafios exigirão aumentar a capacidade para lutar para sustentar a democracia na raça, para que os brasileiros e brasileiras tenham o direito de dar, pelo voto, outro destino ao país. Será preciso continuar lutando para jogar essas reformas no lixo da história e retomar, com altivez, a tarefa que cabe a uma nação: conduzir o desenvolvimento do país para promover desenvolvimento econômico e social que gere bem-estar com qualidade de vida e sustentabilidade ambiental para todos.


[1]Diretor técnico do DIEESE.
[2]DIEESE, Nota Técnica 186, julho de 2017, “PEC 287 – A: A reforma da Previdência e da Assitência Social na versão aprovada pelaComissão Especial da Câmara dos Deputados.
DIEESE/ANFIP/Plataforma Política Social, “A Previdência Social em 2060: As inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro”.
DIEESE/ANFIP/Plataforma Política Social, “Previdência: reformar para excluir?”. 
Documento disponíveis em www.dieese.org.br.

[3]CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST, CSB, Intersindical, Comlutas, CGTB.

Comentários