Conta própria ‘novato’ ganha menos, não tem CNPJ nem Previdência

Conta própria ‘novato’ ganha menos, não tem CNPJ nem Previdência

SÃO PAULO  -  A precarização do mercado de trabalho durante a crise atingiu em cheio os trabalhadores por conta própria. Com forte ingresso de ocupados no período — em 2015 e 2016, cinco milhões de pessoas se tornaram autônomas —, a categoria teve queda de rendimentos, piora no perfil de vagas criadas e, também, redução no acesso ao sistema de aposentadorias, comparando-se aqueles que já eram conta própria antes da recessão com os que se tornaram depois dela.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2017, do IBGE, mostram que os trabalhadores que viraram conta própria há menos de dois anos têm remuneração, em média, 33% menor do que os que já estavam nesse tipo de ocupação. O levantamento foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e divulgado no boletim “Emprego em Pauta”, que terá publicação mensal a partir de julho. 
Os que começaram a trabalhar por conta própria após a recessão de 2014-2016 não se encaixam no perfil empreendedor, que optou por deixar seu emprego para abrir um negócio. De acordo com o Dieese, mais da metade (52%) deles passou a desempenhar atividades classificadas pela entidade como “elementares”: após perderem seus empregos com carteira, esses trabalhadores entraram novamente no mercado em ocupações com rendimentos mais baixos, como faxineiros, ajudantes e preparadores de comidas rápidas. 
Quase 25% do total de ocupados hoje no país, ou 23 milhões, está na categoria por conta própria, destaca Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. O mais grave, em sua avaliação, é a predominância do exercício de atividades precárias nesse grupo, principalmente entre aqueles que estão nessa categoria há menos tempo. “A crise precarizou o trabalho assalariado, com a criação de postos de trabalho sem carteira, mas também o trabalho por conta própria”, disse. 
A recessão acelerou a entrada dos trabalhadores autônomos nos setores de alojamento e alimentação, transporte e armazenagem e, também, no comércio e reparação de veículos. No primeiro segmento, 34% dos ocupados atuavam há menos de dois anos como conta própria. É o caso de Sérgio Quiles, que está há três meses à frente de uma banca de frutas improvisada em seu carro, perto do metrô Sacomã, no Ipiranga, zona sul de São Paulo.
Desempregado desde meados de 2015, quando foi dispensado de seu emprego com carteira como motorista de transporte escolar, Quiles tentou se recolocar no mercado formal, sem sucesso. Com parte do dinheiro que conseguiu ao processar o antigo patrão pelo não pagamento de horas extras, comprou uma Fiorino usada e recomeçou a vender frutas, que ficam expostas na caçamba do veículo. Ele já havia exercido por oito anos essa mesma atividade antes de entrar na última empresa em que trabalhou, em 2010. 
O comerciante diz ganhar melhor hoje do que em sua ocupação anterior, mas não tem CNPJ, nem consegue poupar parte da renda para alguma eventualidade ou para a aposentadoria. Por isso, prefere trabalhar como funcionário registrado. Com 49 anos, porém, acha pouco provável que alguma empresa o contrate. Assim, pretende ficar com a banca de frutas até se aposentar por tempo de contribuição, dentro de sete anos. “A gente tem que se virar com pode”, diz.
Assim como Quiles, 77,4% daqueles que trabalham como conta própria há menos de dois anos não têm CNPJ, nem contribuem com a Previdência Social, de acordo com o levantamento do Dieese. No grupo mais experiente, o percentual de trabalhadores não formalizados e que não contribui com o sistema de aposentadorias é também elevado, mas menor (60,9%). 
“Os conta própria que entraram há menos tempo estão começando na atividade, com uma renda baixa, e por isso não conseguem se formalizar, nem contribuir com a Previdência”, diz João Saboia, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A fatia de trabalhadores autônomos que possui apenas Previdência, sem CNPJ, de 18,9%, cai para 9,6% no grupo com menos de dois anos nessa posição. 
Na crise, os trabalhadores com menor qualificação foram os mais prejudicados, avalia Tiago Cabral Barreira, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Beneficiados pela onda de formalização que antecedeu a recessão, num ambiente de escassez de mão de obra, eles foram os primeiros a perderem suas ocupações formais após a queda do nível de atividade. 
Agora, em vagas precárias — seja como trabalhadores por conta própria, ou empregados sem carteira — conseguem garantir alguma remuneração, mas menor, e não contam mais com a rede de proteção a que trabalhadores formais têm acesso, afirma Cabral. De 2016 para 2017, o contingente de profissionais com carteira no setor privado diminuiu em quase 1 milhão de pessoas, redução de 2,8%, enquanto o total de ocupados sem carteira e por conta própria subiu 5,5% e 0,7%, respectivamente. 
Em termos de rendimento, no entanto, os profissionais autônomos tiveram o pior desempenho: a renda real dos conta própria caiu 0,6%, ao passo que os funcionários sem carteira viram seus rendimentos aumentarem 1,1%, e os com carteira, 2,5%. 
Mais atuante no setor de serviços, o profissional por conta própria depende de sua experiência para conseguir uma maior clientela e, assim, elevar sua renda, observa Saboia, da UFRJ. Os trabalhadores mais recentes nesse tipo de ocupação têm renda menor porque prestam serviços há menos tempo, diz. “Muitas vezes, eles entram na posição de ajudante. É diferente da situação de um marceneiro qualificado, que já está há mais tempo na profissão, por exemplo.”

 

Comentários