Fundo do poço favorece a transformação neoliberal

Fundo do poço favorece a transformação neoliberal

Clemente Ganz Lúcio[1]

            A economia brasileira chegou ao fundo do poço em 2017, depois de experimentar uma das mais severas crises dos últimos 150 anos. Os motivos que levaram o país a essa situação têm relação com as escolhas econômicas e políticas feitas pelo governo, a oposição no Congresso e dos empresários, que, desde 2015, travaram tudo. Porém, na essência, esse embate e a crise visaram liberar o caminho para uma enorme mudança econômica, com a apropriação privada da riqueza natural, a privatização das estatais e de serviços públicos, aquisições e fusões de empresas, a mudança legislativa dos marcos regulatórios da concorrência e da propriedade, a desnacionalização da base produtiva, o desmonte dos instrumentos do Estado para mobilizar o desenvolvimento. A lista é longa. De maneira acelerada e em escala inédita, o país entregou e integrou sua dinâmica econômica, social e política à estratégia neoliberal coordenada pelo capital financeiro.
            
            O Brasil globalizado rompe paradigmas produtivos e distributivos: a tecnologia substitui o emprego, com integração em escala global do sistema de produção primária, fluxos intensos de insumos, mercadorias e capital, e estruturação de um outro Estado, com o objetivo de proteger a riqueza e a competição. 
            
            A queda da atividade econômica (-3,5% do PIB, em 2015 e 2016) gerou um contingente de quase 14 milhões de desempregados e 25 milhões de subocupados, aumentou a informalidade, a precarização e a insegurança no mundo do trabalho. Em 2017, a leve redução do desemprego veio puxada pelas ocupações informais (trabalho autônomo, por conta própria e emprego doméstico). O PIB registrou expansão de 1% em 2017, impulsionado pelo crescimento da agricultura, mas a melhora, no entanto, foi perdendo intensidade no segundo semestre (1,3%, 0,6%, 0,2% e 0,1%, PIB do primeiro ao quarto trimestre de 2017).

            Os desdobramentos da recessão e do desemprego continuarão abrindo ótimas oportunidades para o capital. Empresas, vendidas e compradas, passarão por reestruturações organizacionais, que atingirão os empregos; os investimentos incorporarão inovações tecnológicas que destruirão ocupações. Enfim, em 2018, os empregos estarão na guilhotina da reestruturação e da inovação.

            Além disso, estará em implantação e em disputa a nova legislação trabalhista. Novos contratos, flexíveis e precários, passarão a ser testados. Reduzir jornada, salários e direitos será uma forma de governança das empresas para aumentar a rentabilidade em uma economia de altíssima concorrência e na busca do máximo retorno aos acionistas.

            Assim, os postos de trabalho que serão ofertados e ocupados sofrerão mudanças na quantidade, na qualidade e na composição setorial. A terceirização, por exemplo, deslocará empregos privados e públicos para empresas prestadoras de serviços e estas farão uso de formas flexíveis de contratos de trabalho, jornada e direitos. Os contratos intermitentes, de jornada parcial e prazo determinado poderão criar uma massa de trabalhadores legalmente precarizados. A redução da jornada arrochará o rendimento. Mais pessoas de uma mesma família trabalharão e, assim mesmo, a renda familiar poderá cair. Evidentemente que tudo isso poderá representar melhora relativa, se a comparação for feita com as péssimas condições deste momento. Entretanto, qual será o sentimento coletivo quando essa solução for revelada como o novo modo de vida no trabalho?

            Inativos e desalentados, necessitados de ocupação para acessar a renda, voltarão em 2018 ao mercado de trabalho para disputar novos postos ofertados. Quando saírem em busca das vagas, promoverão um aumento da procura que poderá ser superior à oferta de postos de trabalho. Haverá mais ocupações, mas o desemprego será maior.

            O desemprego permanecerá alto, segurando para baixo os salários, ou seja, o custo do trabalho continuará sob controle do capital, cumprindo a função econômica de desencorajar o trabalhador a autorizar o sindicato a lutar.

            São muitas incertezas. Será um ano de perplexidades econômicas e sociais.

Certo mesmo é que 2018 será dominado pela dinâmica da vida política, da engenharia institucional e da articulação das forças sociais. Nas jogadas, as forças sociais tentarão nas urnas confirmar ou reverter as transformações em curso. Uma prioridade é lutar para que o país tenha musculatura institucional e a sociedade consiga sustentar nossa frágil democracia para que, livremente, por meio do voto, sejam feitas escolhas, instruídas por um bom debate público acerca dos projetos em disputa.


[1]Diretor técnico do DIEESE.

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