O contexto e as mudanças no sistema de relações de trabalho no Brasil: mudança, retrocesso e desafios. Pontos para a reflexão

O contexto e as mudanças no sistema de relações de trabalho no Brasil: mudança, retrocesso e desafios.
Pontos para a reflexão 

            Clemente Ganz Lúcio[1]
         A reforma trabalhista em curso no Brasil está em sintonia com outras reformas idênticas realizadas em mais de uma centena de países. É um projeto mundial das forças econômicas e políticas que organizam o sistema produtivo, a partir do capital financeiro - bancos, rentistas e investidores - e de uma economia que expande o setor de serviços. E, para isso, impõe a máxima flexibilidade da força de trabalho.
         A grande diferença aqui no Brasil é que se depôs uma Presidenta eleita para se materializar um conjunto de reformas que oferecem ao capital, preferencialmente internacional, a oportunidade de ocupar o país e comprar suas riquezas naturais e produtivas a preços módicos. Nesse processo acelerado de entrega, os investidores internacionais foram claros nas condições: querem segurança jurídica dos ativos adquiridos, garantias de que o Estado não aumentará impostos e manterá o fluxo controlado e contínuo de remuneração da dívida pública; exigências que levam à reforma da previdência e à reforma trabalhista.
Vale lembrar uma declaração exemplar, de meados de 2016, de um representante da Janus Capital Group, gestora americana com quase US$ 200 bilhões em fundos. Petrobras, Itaú Unibanco, Iochpe-Maxion, Suzano e Marfing fazem parte de sua carteira de investimentos no Brasil. Dan Raghoonundon, analista da empresa, concedeu entrevista ao jornal Valor (11/06/16) e, sobre a Petrobras, disparou: “realmente acredito que a companhia tem um valor intrínseco e está barata relativamente a seus ativos. Existe muito potencial para a Petrobras para um investidor de longo prazo”.
Avançando sobre as escolhas do país, Dan Raghoonundon soltou: “O Brasil tem que decidir se pretende aceitar grandes quantidades de companhias estrangeiras controlando ativos-chave de infraestrutura. E, claro, essas companhias estrangeiras vão ter que ser compensadas pelo risco que vão tomar”. 
As condições complementares e essenciais são por ele destacadas no início da entrevista: a estabilidade política de um novo governo que deve encaminhar as reformas necessárias para o objetivo proposto. E quais são elas? Dan com a palavra: “Vamos monitorar a aprovação de todas, como a da previdência e dos benefícios trabalhistas”.
A impressão é que os brasileiros não se dão conta de que o país é uma das maiores economias do planeta, com inigualável base natural, robusta estrutura produtiva e enorme mercado interno. É um grande negócio para o resto do mundo a venda de ativos e a transferência da soberania brasileira para empresas estrangeiras. Infelizmente a sociedade dá pouca atenção a esse processo, que se encontra em fase avançada de execução. Mas não é esse o foco deste artigo.
Aqui vamos analisar a reforma trabalhista no contexto das demais reformas no Brasil e no mundo, indicar os eixos estruturantes da reforma aqui realizada e apontar impactos e alternativas para a ação sindical e para os trabalhadores. 
         A nova loucura ocupa o mundo
         Está em curso um movimento de profunda transformação no sistema produtivo e distributivo do capitalismo mundial, capitaneada pelo sistema financeiro, que fragmenta a produção e concentra renda e riqueza.
         O setor de serviços expande a mercantilização de todas as atividades humanas e é parte estratégica da externalização de custos da produção industrial pela terceirização. Nessa dinâmica, já é responsável por 60% a 80% da estrutura econômica dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e por mais da metade dos empregos.
         Há investimentos vultosos de empresas e Estados no desenvolvimento tecnológico da base produtiva e, especialmente, de tecnologia para as áreas do setor de serviços e do comércio. A tecnologia atingirá em massa os empregos no mundo desenvolvido e em desenvolvimento e substituirá os postos de média e alta qualificação, diferentemente do que aconteceu na indústria, que desempregou, predominantemente, trabalhadores de média e baixa qualificação.
         Novas ocupações surgirão para preencher espaços nos quais as máquinas ainda não terão capacidade de substituir os humanos. O que fará o mundo com a massa de milhões de desempregados estruturais?
         Globalização, financeirização, serviços e tecnologia combinam uma demanda de altíssima flexibilidade para alocar e remunerar a força de trabalho. A reforma trabalhista promove as mudanças que viabilizam essa demanda.
         A juventude que chega hoje ao mercado de trabalho tem, cada vez mais, maior nível de escolaridade e supera a formação das gerações anteriores. Mas são gerações que, ao contrário do que vimos na era industrial, terão renda e padrão de vida inferiores aos de seus pais. Trata-se de um fenômeno novo. Esses jovens têm se deparado com ocupações precárias, parciais e inseguras. A formação e a comunicação em rede em tempo real, associada a valores que estimulam a competição e o individualismo, lhes conferem outra visão da vida, das relações sociais, do emprego, da ocupação, do trabalho... há uma outra e desconhecida força de trabalho se formando. O que ela espera do futuro? Como será viver permanente e estruturalmente com empregos instáveis, precários e inseguros? Ninguém sabe exatamente.
         Há a mercantilização das relações sociais em todas as esferas: tudo se transforma em mercadoria e serviços ofertados, consumidos e comprados pela massa salarial, que, no período anterior, expandia-se com mais empregos, crescimento dos salários e incorporação de novos mercados. As economias cresciam porque 3/4 dos lucros voltavam como investimentos promovidos pelas próprias empresas e os Estados mobilizavam partes dos impostos com o mesmo objetivo. Contudo, os salários pararam de crescer, os empregos sumiram, os lucros são distribuídos entre os acionistas e os Estados estão sendo conduzidos a reduzirem-se a tamanho mínimo. De onde virá a demanda para ativar a confiança de investir e produzir? De onde virá a renda para consumir?
         A expansão industrial construiu avanços econômicos com o aumento da renda média e avanços sociais na saúde, educação, serviços urbanos e seguridade social, que, no conjunto, conformam indicadores agregados que apontam resultados gerais impressionantes. Porém, esses mesmos resultados, quando observados por indicadores desagregados, revelam abissais desigualdades.
         Há uma ruptura. Duas guerras e a Revolução Soviética produziram um acordo social no mundo capitalista, em especial, na Europa: uma economia de mercado capitalista, incentivada pela inovação e apoiada pelo investimento público, agregou valor e produziu riqueza (bens e serviços). Esse resultado foi repartido por meio de acordos sociais entre capital e trabalho, promovidos no espaço de sistemas de relações de trabalho composto por organizações sindicais fortes e representativas, que negociaram e definiram regras, critérios e meios de repartição no espaço da produção. A riqueza e a renda foram progressivamente tributadas para financiar investimentos e políticas sociais públicas universais promovidas pelos Estados nacionais. Esse acordo visava criar relações de coesão social e de pacificação de conflitos em um mundo que conhecera, com a bomba atômica na 2aGrande Guerra, a capacidade real de se pôr fim à vida no planeta.
         Na década de 70, outro movimento ganhou dinâmica e força, articulando-se em reação ao pacto distributivista social-democrata. Desde então, o poder da riqueza articula a força social – política, eleitoral, midiática – para confrontar o acordo social produtivista e distributivista construído nos limites do espaço de um capitalismo regulado. A busca do máximo retorno no menor prazo alterou a lógica do desenvolvimento econômico orientado pelo investimento na ampliação da capacidade produtiva, expansão do mercado interno de consumo de massa, crescimento da produtividade, dos empregos e da renda média da sociedade. A ordem neoliberal ganhava forma.
         O sistema financeiro ampliou, cada vez mais, o controle do sistema produtivo, redefiniu objetivos e metas, moldou a política econômica e a soberania dos Estados nacionais e adotou a desregulamentação como parte fundamental dessa estratégia. A crise de 2008 foi o ápice dessa trajetória e impôs às sociedades os efeitos e custos econômicos desse processo. Imaginou-se, então, que essa ordem neoliberal seria acuada para que as sociedades, com seus governos e o setor produtivo, recolocassem a regulação orientada para um setor financeiro de suporte ao desenvolvimento produtivo. Ledo engano. O que fazem desde então, é ampliar a captura da soberania das nações, submetendo os custos do ajuste às sociedades, ampliando a globalização da economia e seus ganhos, redefinindo a divisão internacional do trabalho e submetendo, cada vez mais, Estados e nações aos seus objetivos.
         O capitalista agora se torna um sujeito oculto, representado por prepostos que se integram aos ganhos e invadem as instituições e o Estado de um país. Um complexo processo econômico, social, político e cultural aprofunda e expande a acumulação de riquezas em escala global, acirrando a concorrência entre as empresas, por meio da combinação entre flexibilidade para alocar a força de trabalho e tecnologia.
         O sistema produtivo subordina-se à lógica da acumulação da riqueza financeira e rentista. Os ganhos daqueles que vivem exclusivamente de renda oriunda dos patrimônios se sobrepõem à estratégia de investimento das empresas, orientando a alocação das plantas empresariais e combinando fatores como posicionamento físico, menor custo e altos investimentos em tecnologia, com o objetivo de reduzir, ao máximo, o trabalho humano. 
         As corporações engendram força política para enquadrar os Estados e governos e obter reformas institucionais que reduzam impostos; impõem garantias de que o direito privado não será ameaçado por formas coletivas de deliberação e pelo voto universal; asseguram o avanço da desregulamentação do sistema financeiro; protegem a transmissão de heranças e a valorização de patrimônios; simplificam as restrições para a apropriação privada da riqueza natural (minério, terra, água, floresta, etc.); acalentam a privatização de empresas estatais e louvam a aquisição e fusão de empresas; protegem o fluxo de pagamento das rendas oriundas das dívidas públicas.
         O desenvolvimento que resulta da relação entre o Estado e os sistemas produtivos industriais nacionais motivadores de capacidade manufatureira e se constitui, pelo emprego e os salários, os mercados internos de consumo de massa - perde encanto econômico e político. O Estado regulador da distribuição do produto social, que visa minimizar a desigualdade e gerar coesão social, está em desuso. O comando agora é do sistema financeiro e se realiza pela ampliação da centralização da propriedade e pela reorganização da estrutura produtiva.
         Esse grande movimento é operado por uma coalizão neoliberal entre os agentes do sistema financeiro; corporações multinacionais; oligarquias políticas e burocráticas; organismos econômicos internacionais; e burocracias dos Estados nacionais, que manejam novos arranjos produtivos e distributivos. Ao concentrarem a riqueza e alterarem o sistema produtivo, esses agentes fomentam a exclusão, geram e ampliam desigualdades e retiram capacidade institucional da sociedade para promover compromissos coletivos ou criar compensações e contrapartidas, estimulando a regressão do padrão civilizatório até aqui alcançado.
         O pacto social do pós-guerra assegurava a regulação da organização capitalista da produção por meio de legislação laboral protetiva e de sistema de relações de trabalho que incentiva a negociação dos salários, das condições de trabalho e das contratações e demissões. Além disso, garantia impostos progressivos para o financiamento de políticas universais em democracias baseadas na liberdade dos indivíduos, que promoviam o bem coletivo. Esse processo está sendo gradativamente rompido, de maneira mais acentuada após a crise de 2008. No Brasil, o rompimento se expressa com o ataque aos fundamentos constitucionais do Estado social de 1988 e às transformações sociais promovidas desde então. A elite declara um retumbante basta a essas garantias!
         O cartel financeiro impulsiona a riqueza financeira, que se movimenta e submete a sociedade à sua lógica de acumulação, segundo a qual o mundo deve estar “livre” das amarras da regulação social e política.
         Nesse jogo, as instituições são desqualificadas, porque impedem a “livre concorrência das forças do mercado” e a “perfeita interação da meritocracia”. Investe-se contra as instituições, produto político do processo civilizatório, criadas a partir de acordos sociais que afirmam interesses gerais da nação e promovem a igualdade e a liberdade por meio de normas e regras operadas pelo Estado, instância capaz de regular e coordenar as relações sociais, econômicas e políticas. As instituições democráticas tentam, em cada contexto histórico e nacional, limitar e impedir, a partir do interesse geral da sociedade, aquilo que a ambição e a desenfreada busca pelo lucro promovem: a desigualdade, a exacerbação dos conflitos, a submissão de pessoas e povos, a coerção da vontade coletiva e da liberdade.
         Após a crise financeira de 2008, essa coalizão neoliberal construiu uma estratégia para impedir a resposta regulatória proveniente da indignação mundial contra a loucura rentista. Os Estados pagaram a conta, com impostos sobre toda a sociedade, aumentaram as dívidas públicas, que serão pagas por todos, e promoveram amplos cortes de direitos sociais e trabalhistas. A recessão e o desemprego, oriundos da crise e das medidas engendradas de ajuste fiscal, criaram o ambiente favorável para virar o jogo institucional e regulatório.
Reforma trabalhista no mundo[2]
         As reestruturações institucionais avançam nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo uma delas a reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho. Nos países desenvolvidos, o objetivo é reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e minimizar os custos de demissão sem acumular passivos trabalhistas; restringir ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em favor de acordos locais realizados com representações laborais controladas; e quebrar os sindicatos.
         As reformas das instituições dos sistemas de relações de trabalho e da legislação trabalhista foram realizadas por mais de uma centena de países depois da crise internacional. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um estudo (Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium), produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, sobre reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países, promovidas no período de 2008 a 2014. A pesquisa atualiza investigações anteriores e se utiliza, para a análise, de informações de estudos do FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)[3].
                  Em grande parte dos projetos de reforma implementados, duas dimensões são atingidas com maior ou menor intensidade: mercado de trabalho e negociação coletiva. Nos países desenvolvidos predominam iniciativas para reformar a legislação que regulamenta o mercado de trabalho no que se refere aos contratos permanentes. Já nos países em desenvolvimento, a ênfase é maior em reformas das instituições relativas à negociação coletiva. Os autores concluíram que a maioria das remodelagens rebaixou o nível de regulamentação existente e teve caráter definitivo.
Os dados trabalhados pelos autores mostram 642 mudanças na legislação, em 110 países, entre 2008 e 2014. As reformas atingem seu pico, em número, até 2012, na primeira fase da crise, e decrescem até 2014, quando voltam ao nível pré-crise. Para o conjunto dos países investigados, a maior parte das alterações (55%) teve o sentido de reduzir a proteção legal; foi implantada em bases permanentes (92%); e endereçada ao conjunto da população (69%). Deve-se esclarecer, contudo, que o resultado referente ao sentido das reformas deve-se, basicamente, às medidas implementadas nos países desenvolvidos, maioria do painel analisado (70%) e nos quais prevaleceram regras para redução da proteção (66%). Nos países em desenvolvimento, ao contrário, predominou o reforço da proteção por intermédio da legislação. Em vários desses, a mudança legal centrou-se na criação de instituições para a negociação coletiva, como Angola, Camarões e Gabão ou no reforço aos direitos sindicais, como Bolívia e Colômbia.
Os resultados do estudo[4]mostram que o desemprego tem um efeito positivo e estatisticamente significativo na probabilidade da adoção de reformas trabalhistas. Da mesma forma, países que estão implantando medidas de austeridade fiscal e com regime de câmbio fixo são mais propensos à sua implementação. Já as variáveis ano eleitoral, ideologia política do governo e PIB per capita não apresentam efeito expressivo na introdução das reformas.
Para a análise dos impactos de curto prazo das reformas, os autores utilizam as mudanças na taxa de desemprego como variável dependente e observam que as medidas adotadas para a regulação do mercado de trabalho não apresentaram efeito significativo sobre o desemprego, seja para o conjunto de países, seja para os subgrupos “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”. 
Ao se considerar o ciclo econômico em que as medidas são implantadas, o estudo revela que, no conjunto dos países analisados e no grupo “desenvolvidos”, há resultados negativos de curto prazo sobre o emprego quando as mudanças ocorrem em período de contração da economia; já em períodos de estagnação ou crescimento, não se observam impactos. Nos países em desenvolvimento, independentemente do ciclo econômico, não se verifica rebatimento sobre o emprego.
Em resumo, o estudo conclui que: (a) a aprovação de reformas está positivamente associada aos níveis e alterações das taxas de desemprego, indicando que resultados ruins no mercado de trabalho parecem levar ou facilitar os governos a promover reformas na legislação trabalhista; (b) países que passam por processos de consolidação fiscal, por meio da adoção de políticas de austeridade e têm um regime cambial de taxas fixas - caso dos países da União Europeia, com moeda única e política monetária estabelecida pelo Banco Central Europeu - têm maior probabilidade de realizar reformas trabalhistas; (c) no que se refere aos impactos de curto prazo das reformas, nem o aumento nem a redução da regulação parecem ter impacto sobre a taxa de desemprego; (d) contudo, em situações de crise, a redução da regulação tem um efeito de curto prazo negativo, resultado observado para o conjunto dos países e para os países desenvolvidos.
         Do total de reformas que diminuíram os níveis de regulação: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.
            Espanha
Há décadas, a Espanha enfrenta graves problemas econômicos, que resultaram em situação crônica de desemprego, com altas taxas para a população em geral – superiores a 20%; e elevadíssimas para os jovens – acima de 40%.
A mais recente reforma trabalhista espanhola foi aprovada em 2012, quando a economia do país enfrentava a segunda recessão em 10 anos. Seguindo o mesmo receituário aplicado para flexibilizar o mercado de trabalho, a reforma tratou, de um lado, de diminuir a criação de postos de trabalho temporários, elevando o custo de indenização dos temporários de 10 para 12 dias por ano trabalhado; e, de outro, desestimulou as demissões em momento de crise, mas facilitou os procedimentos para realizá-las, diminuindo o custo das dispensas, cuja indenização caiu de 45 para 33 dias por ano trabalhado. Também abriu a possibilidade de flexibilização para redução de jornada e de salário, além de alterar o sistema de relações de trabalho, limitando o poder das negociações gerais ou setoriais. Em uma economia de câmbio fixo (Euro), a reestruturação buscou ajustar o custo do trabalho com desvalorização salarial, para tentar recuperar a competitividade.
Os resultados logo se fizeram notar. O desemprego passou de 21% para 27%, motivado pela redução do custo de demissão dos trabalhadores com contratos de prazo indeterminado. Posteriormente, em virtude do surgimento de empregos predominantemente precários, as taxas de desemprego caíram para 18%. No momento da retomada econômica, a flexibilidade acelerou a criação de postos de trabalho temporários, com prazo reduzido ou de tempo parcial.
A reforma objetivou ampliar o protagonismo do empregador para regular custos laborais e salários. Houve queda dos rendimentos do trabalho em função da aplicação dos novos mecanismos e da rotatividade, impulsionada pela possibilidade de redução dos salários dos contratados em relação aos dos demitidos.
A economia espanhola enfrenta o desafio decorrente dessa política: arrocho salarial e precarização dos empregos reduzem a massa salarial, geram insegurança e deprimem a capacidade de consumo do mercado interno, ou seja, enfraquecem a demanda, geram pobreza e contribuem para o aumento da desigualdade.
Desde os anos 1980, foram mais de 50 mudanças nas instituições e na legislação laboral, sempre buscando saídas para a crise e o emprego. O problema continua, com desemprego crônico e grande número de trabalhadores temporários ou em jornada parcial.
É importante destacar que a Espanha foi usada como referência para a orientação da reforma trabalhista no Brasil.
México
Brasil e México abrem alas na América Latina para as reformas que promovem e ampliam a precarização de um mercado de trabalho pouco estruturado, com alta informalidade e muita ilegalidade.
O mercado de trabalho mexicano vai mal, em uma economia em desestruturação, que está integrada e subordinada aos Estados Unidos. A transformação do parque produtivo precarizou os empregos e aumentou a informalidade, que reúne, atualmente, quase 60% dos trabalhadores. A rotatividade com flexibilidade reduziu os salários e mais de 80% da população ocupada recebe menos de US$ 5 por dia, o equivalente a US$ 150 por mês.
Em 2012, o México implantou uma reforma trabalhista que não entregou o que prometeu: criar empregos e estimular a economia. Neste ano, em fevereiro, novas mudanças entraram em vigor: retirada do direito de indenização para trabalhadores com menos de seis meses de contrato laboral; liberação da terceirização - situação em que os calotes sobre os trabalhadores se multiplicam; salários cortados nas greves e regras mais rígidas para servidores públicos; jornadas de trabalho flexíveis e pagas pelas horas efetivamente trabalhadas (aqui denominados contrato intermitente); reforma sindical; e reforma na Justiça do Trabalho.
            França
O governo da França encaminhou a reforma trabalhista com os mesmos eixos observados nos demais países: flexibilização para as empresas negociarem diretamente com os trabalhadores ou com representante dos empregados, sem caráter sindical; limite para a indenização por demissão sem justa causa; redução das possibilidades de processos trabalhistas; apoio a programas de demissões voluntárias sem assistência sindical.
Reforma trabalhista no Brasil
Em 2003, foi instalado o Fórum Nacional do Trabalho, composto por representações dos empregadores, dos trabalhadores e do Estado e coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Durante dois anos, em mais de 500 horas de negociação em mesas tripartite, mais outras centenas de horas de reuniões bilaterais e por bancada, elaborou-se um projeto de reforma sindical que buscava estruturar e organizar uma reforma no sistema de relações de trabalho e dar continuidade ao aprimoramento da legislação trabalhista. Esse processo fundamentava-se no fortalecimento da representatividade das entidades sindicais, que assumiriam progressivamente mais responsabilidades com processos negociais incentivados e ampliados. O direito de negociação coletiva no setor público seria regulamentado. Mecanismos ágeis e seguros para a solução de conflitos, direito de greve, complementariedade voluntária entre o negociado e o legislado foram diretrizes materializadas no projeto. Novas regras para a organização sindical e seu financiamento visavam fortalecer as representações e criar condições para sua atuação. Um plano de transição visava gerar segurança para a realização das mudanças.
O acordo político pressupunha que a reforma sindical e do sistema de relações de trabalho antecederiam a reforma trabalhista, porque o novo modelo sindical e de negociação resultante da reforma proporcionaria os elementos para o contorno das mudanças na CLT, especialmente no que se refere à delimitação entre o legislado e o negociado e à transição incentivada e voluntária da situação presente para a futura.
O projeto parou no Congresso Nacional na crise de 2005, nas disputas internas no mundo sindical (empregadores e trabalhadores) e nas múltiplas resistências às mudanças.    
Neste ano, em mais um lance institucional ousado, entre tantas outras mudanças e reformas, Legislativo e Executivo transformaram profundamente a legislação trabalhista brasileira e o sistema de relações de trabalho. Em síntese, a lei deixou de ser um sistema protetor dos trabalhadores para passar a ser um sistema para proteger prioritariamente as empresas.
A reforma alterou a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções e acordos coletivos eram pisos progressivos de direitos. A partir de agora, a Constituição passa a ser o teto, a legislação é uma referência de direitos que poderão ser reduzidos pelas convenções; os acordos poderão diminuir garantias previstas em leis e convenções; o indivíduo poderá abrir mão de muito do que foi conquistado, coletivamente, com muita luta. Os trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” de reduzir salários e garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada e quitar definitivamente direitos - na presença coercitiva do empregador. O acesso dos trabalhadores à justiça foi limitado. As empresas terão inúmeros instrumentos que garantirão máxima proteção e liberdade jurídica para ajustar o custo do trabalho. 
Vários novos tipos de contratos são parte das mudanças (tempo parcial, trabalho temporário, intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho, trabalho em casa) e permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização da jornada no que se refere à duração, intervalos, férias, banco de horas etc. As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com diversas formas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.
O poder de negociação dos sindicatos é fragilizado com o “novo poder” de reduzir direitos, por meio da interposição de comissões de representação dos trabalhadores, nas quais é proibida a participação sindical, ou do empoderamento do indivíduo para negociar diretamente. Essas medidas quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores serão incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Ficarão submetidos ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do medo de perder o emprego.
A Justiça do Trabalho, que agora será paga, terá as tarefas reduzidas à análise formal dos pleitos. A lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
São alterados 117 artigos e outros 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, que operam um verdadeiro ataque aos trabalhadores.[5]
            Impactos e Desafios
As reformas trabalhistas no mundo respondem aos objetivos da coalizão neoliberal, promovendo amplo movimento de ruptura de diálogo social entre capital e trabalho que visava à formatação de pactos sociais distributivistas em economias capitalistas. Esses pactos engendraram arranjos produtivos nacionais integrados à economia internacional, com acordos sociais e trabalhistas de políticas públicas universais de saúde, educação e proteção previdenciária; políticas ativas de emprego; e instituições reguladoras das relações trabalhistas. Esse compromisso, base inclusive da democracia moderna, tem sido contínua e progressivamente rompido, desmobilizado e desqualificado.
O desafio número 1 é investir na compreensão dessa nova complexidade, criando espaços de reflexão para a análise dos fenômenos e debate sobre a intervenção na realidade. Esse desafio pode ser enfrentado com maior articulação e cooperação entre o movimento sindical e intelectuais que atuam na Academia e em pesquisa social, por meio da promoção de encontros de saberes voltados à transformação social.
O desafio número 2 é articular forças sociais amplas dispostas a investir no desenvolvimento como processo de pactuação da relação entre a produção e a distribuição econômica, no fortalecimento das instituições, na democracia, na liberdade, na redução das desigualdades e na promoção de políticas sociais universais.
O desafio número 3 é compreender que o fenômeno da globalização requer um outro nível de articulação internacional das forças sociais, inclusive do sindicalismo, e que se construa cooperações para intervenção crítica e transformadora.
No plano ideológico, o individualismo se sobrepõe aos interesses coletivos, transformando cada pessoa “livre” em unidade de consumo, arrochada pelo salário, mas libertada pelo crédito. A meritocracia amplia a competição e quebra os laços de solidariedade entre os trabalhadores e os vínculos para a sustentação dos sindicatos como escudo protetor.
Assim, o desafio número 4 é desenvolver espaços e oportunidades para encontros, nos quais o isolamento e a solidão promovidos pela hiperconectividade sejam contrapostos pelas possibilidades que o outro oferece a partir do diálogo, da interação, da intervenção conjunta, da capacidade de criar.
O desafio número 5 é investir na oferta de oportunidades de redescoberta da relação com o outro como forma de construção da própria identidade, processo no qual a cooperação revela potencialidades, indica que meritocracia é um conceito que isola e discrimina e que o consumo deve ser orientado pela qualidade de vida e pelo bem estar de todos. Os sindicatos podem se pensar como organização que se desafia a ser uma instituição com essa intencionalidade a partir do seu fundamento originário que é a solidariedade.
As transformações econômicas e dos sistemas produtivos, a expansão da economia de serviços, com tecnologia e comunicação criando novos padrões e paradigmas transformam a temporalidade dos processos e das decisões. A agressiva competição entre empresas e nações e a demanda pelo máximo retorno ao investidor, sem compromisso com a produção e com a questão distributiva, pressionam o sistema produtivo, na busca pelo menor custo, à máxima flexibilidade para alocar e desmobilizar o trabalho na produção, ajustar salários, limitar custos diretos e indiretos, reduzir passivos trabalhistas e aumentar a segurança jurídica das formas flexíveis de contratos laborais.
As reformas trabalhistas, na maior parte dos países, estão entregando a flexibilidade propugnada. A crise econômica e o desemprego deram assento à iniciativa e reduziram a capacidade de resistência.
O desafio número 6, portanto, é refletir sobre uma economia que expande serviços, tecnologia e comunicação. O sindicalismo estruturado e organizado a partir do mundo fabril não é capaz de responder a essa nova ordem de organização da produção. As grandes unidades produtivas (fábricas), que reuniam milhares de trabalhadores (operários) que entravam todos os dias pelos mesmos portões e no mesmo horário; que geravam, na cultura familiar, a expectativa de que a profissão dos pais passasse para os filhos; que criavam os bairros operários e que, por sua dinâmica, estruturaram a solidariedade institucionalizada nos sindicatos, não é mais a dominante entre os trabalhadores. Atualmente, essa situação perde participação relativa na composição da classe trabalhadora e expandem-se as ocupações instáveis, precárias e com salários predominantemente inferiores aos oferecidos pela indústria. 
As unidades de produção estão distribuídas e espalhadas no espaço urbano, alocando poucos trabalhadores – e até mesmo trabalhadores isolados. Não há, necessariamente, postos de trabalho fixos fisicamente, e sim trabalhadores que circulam no espaço da cidade ou entre cidades. Também não há emprego fixo, mas possibilidades diárias de ocupação, como o trabalho intermitente e o trabalho autônomo. O desafio é compreender essa nova dinâmica de organização da produção e seus reflexos para a organização sindical.
Os mercados de trabalho ganham cada vez mais dinâmica dual, com empregos seguros (cada vez menos) e inseguros (cada vez mais e com diversas formas de materialização). As ocupações sem segurança, garantidas pelas legislações, ampliam o emprego temporário, autônomo ou por conta própria; terceirizado ou promovido por agência de locação de mão de obra; com jornada parcial, intermitente. 
O desafio número 7, como resposta estrutural às mudanças na base produtiva e no sistema laboral, é recolocar o sindicato como sujeito de representação coletivo, instrumento que atua como escudo protetor contra o poder de submissão da empresa sobre o indivíduo.
O desafio número 8 é materializar o princípio indicado no desafio 7, trazendo para as Convenções e Acordos Coletivos o poder de regular por meio da negociação toda e qualquer inciativa de aplicação das novas regras da Lei. Caberá à negociação estabelecer as regras, as formas e as condições para operar a nova legislação.
O desafio número 9 é dar a máxima proteção aos indivíduos na relação laboral. Para além das Convenções e Acordos, os sindicatos devem lutar para garantir assistência sindical no momento das homologações, situação nas quais se verificam inúmeras fraudes trabalhistas que, posteriormente, são remetidas à Justiça do Trabalho. Essas e outras questões - tais como jornada de trabalho, banco de horas e férias - devem contar com a presença e assistência do sindicato.
O desafio 10 é enfrentar a dinâmica na qual a tecnologia ocupa cada vez mais os espaços do trabalho humano e o acúmulo de capital físico e produtivo expande a produtividade. Nesse contexto, há que se lutar pela redução da jornada, considerando o papel fundamental do trabalho nas sociedades e dos salários na composição dos mercados internos de consumo para a formação da demanda. 
A relação entre empregos seguros e trabalhos temporários poderia existir de forma positiva, se houvesse alta mobilidade entre essas formas de ocupação e se a transição dos trabalhadores temporários para ocupações estáveis, quando desejada, fosse bem-sucedida. Ademais, esse tipo de contrato flexível deveria ser protegido por amplas e universais políticas públicas de emprego. Entretanto, o trabalho temporário é, predominantemente, imposição para uma condição insegura, instável e precária, cuja transição ou motricidade ocorre para a condição de desemprego.
Logo, o 11º desafio é criar alta capacidade sindical de disputar a regulação de todas as formas de ocupação e contratação, capaz de impor limites à flexibilidade e garantir ocupações seguras. Em paralelo, é necessária a ampliação do sistema de proteção dos empregos, de políticas públicas da área da educação e formação profissional e de sistemas de intermediação de mão de obra eficientes; além de seguro-desemprego com duração abrangente e garantia de renda. Ainda é imprescindível a adoção de medidas de apoio a pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos no que se refere a crédito acessível e assistência técnica.
As diferentes formas de trabalho parcial e temporário, precário e instável têm influência no baixo crescimento da produtividade, especialmente nas micro e pequenas empresas, uma vez que dispensam o investimento em formação e desestimulam o acúmulo de experiência que promove avanços no processo produtivo.
O 12º desafio é, então, investir em políticas de incremento da produtividade (agregação de valor e expansão de mercado) para micro e pequenas empresas, que possam se desdobrar em compromissos de melhoria dos empregos e da remuneração dos trabalhadores.
Observa-se ampla substituição de empregos estáveis por ocupações temporárias e de tempo parcial. A taxa de desemprego diminui com a precarização da qualidade dos postos de trabalho. A insegurança no emprego, a situação de desemprego e as formas precárias de ocupação geram novas doenças ocupacionais, como estresse e ansiedade, e interferem não somente na vida no trabalho, mas nas dimensões pessoal e familiar. O 13º desafio é, além de atuar na proteção dos empregos e contra a precarização, investir na formulação e no desenvolvimento de políticas públicas que, associadas à redução da jornada de trabalho, ofereçam um sistema de seguridade social permanente, assistência social e suporte às famílias no que se refere à moradia, transporte, saúde e educação, entre outros aspectos. Também é imprescindível que se assegure a tributação progressiva da renda e da riqueza, de modo a viabilizar a promoção de bem-estar e qualidade de vida à sociedade.
A população jovem é a mais atingida por esse conjunto de reformas e pela debilidade dos mercados de trabalho para gerar empregos seguros. De um lado, a juventude é estimulada ao individualismo e à competição, o que cria novos e desconhecidos comportamentos sociais de isolamento. De outro, o fosso que separa gerações se amplia, os jovens passam a ter uma perspectiva de vida de pior qualidade do que a de seus pais, apesar de terem investido mais em formação. Nesse caso, a contradição é maior: o investimento em formação conduz a empregos precários e com baixíssima remuneração. Observa-se ainda tendência geral de aumento do emprego temporário entre os jovens.
Isso leva ao 14º desafio: abrir as portas dos sindicatos para que os jovens os ocupem, com sua visão de mundo e os valores que se desenvolvem nessas novas condições concretas: maior nível de formação, para um mercado de trabalho inseguro e menores salários. Um novo sindicalismo deverá emergir como resposta a todas essas mudanças, a partir dos novos sujeitos coletivos que os jovens de hoje, trabalhadores de amanhã, irão construir. 
As reformas restringem o papel de representação coletiva de interesse dos sindicatos para regular os conflitos reais da relação capital e trabalho. O resultado pode ser uma sociedade submissa, em função de diversos fatores, como a coerção exercida pelas empresas, a força de polícia do Estado, o medo do desemprego e a desigualdade que desvincula as pessoas de compromissos sociais. Outras possíveis consequências são o aumento dos conflitos trabalhistas e sociais e diferentes formas de micro e macro rupturas. Dessa maneira, o 15º desafio é, além do investimento na negociação, criar os meios para a presença e consolidação das organizações sindicais no chão da empresa.
No mesmo tom da flexibilização do trabalho, estão sendo promovidas revisões das políticas públicas de emprego, trabalho e renda. Formação profissional, intermediação de mão de obra, seguro-desemprego e apoio ao empreendedorismo estão fragilizados em razão da crise fiscal dos estados e da pressão pela redução de impostos. Dessa forma, o desafio de número 16 é investir no desenvolvimento das políticas públicas de emprego, trabalho e renda.
A tensão também é permanente e forte sobre os sistemas de seguridade e previdência social, com o objetivo de reestruturá-los, a fim de restringir os direitos e o acesso da população, além de aumentar as contribuições. O desafio de número 17 é estruturar um sistema previdenciário e de seguridade social universal, no qual seja assegurado a todos, a partir de certa idade, o direito à renda de proteção. Esse sistema deverá ampliar sua fonte de financiamento por meio da combinação entre contribuição previdenciária e impostos gerais progressivos oriundos de toda a sociedade.
Nessas medidas de flexibilização, há a lógica intrínseca de deslocar a proteção ao trabalhador para a segurança jurídica das empresas, seja para flexibilizar contrato e jornada, reduzir salários e custos trabalhistas ou, ainda, para evitar e controlar passivos. Trata-se de uma agenda claramente regressiva do ponto de vista do direito, da distribuição e formação da demanda pelos salários. O 18º desafio é sustentar a disputa sobre o papel da Justiça do Trabalho, dos seus enunciados e de sua função como mecanismo de solução de conflitos. De maneira ampla, é necessário trazer aos espaços das organizações sindicais de base a tarefa de solução de conflito.
Pesquisadores preocupam-se com os impactos das inovações tecnológicas sobre o emprego, afirmando que metade dos postos de trabalho poderá ser extinta nas próximas décadas. Essas questões colocam a premência de construção de novos paradigmas para jornada de trabalho, sistemas universais de proteção laboral e sustentação ou complementação de renda, previdência e uso do tempo livre, entre outras inúmeras questões.
Evidentemente, a questão do emprego e dos salários está relacionada à dinâmica econômica e aos projetos de desenvolvimento e da integração de cada país à economia global. Será necessário imaginar novas concepções de desenvolvimento econômico sustentadas por arranjos institucionais que combinem a liberdade e a igualdade em sociedade democráticas. Logo, o 19º desafio é pensar novas oportunidades de ocupação, muitas delas de caráter comunitário, de interesse social e geral, que podem se desenvolver, por exemplo, a partir de cooperativas. A questão da recuperação e preservação do meio ambiente pode ser um elemento estruturante da atividade criativa do trabalho do futuro. 
Uma sociedade que ganha tempo de vida e envelhece vai requerer cuidados pessoais e familiares que podem gerar novas ocupações. O cuidado com o outro e com o ambiente deve abrir possibilidades para ressignificar a vida no trabalho e em sociedade. As tarefas de cuidados de crianças e velhos são outros serviços que poderão gerar ocupações que agregam valores intangíveis para toda a sociedade e a sociabilidade.
Por fim, é preciso falar dos sindicatos, esse instrumento de luta criado pela solidariedade dos trabalhadores, que constituem um escudo coletivo de proteção da liberdade individual. As profundas transformações no sistema produtivo e no mundo do trabalho exigem, desde já, atenção também para a organização capaz de recolocar a solidariedade na base da unidade dos trabalhadores, criar formas organizativas para novos contextos de trabalho, de uso do tempo, de como as pessoas se colocam nas e para as relações sociais no cotidiano. As formas precárias de trabalho devem levar à criação de modos mais agregados de representação, capazes de lutar para recriar instrumentos de regulação dos contratos, jornadas, salários e condições de trabalho. Será preciso desenhar processos de mobilização e manifestação de interesse, recuperar a formação política que valoriza e favorece a sociabilidade, a justiça, a igualdade, a tolerância. Será necessário recriar e dar novo sentido à luta, assim como construir alianças com os movimentos sociais e populares.



Referências bibliográficas

ADASCALITEI, Dragos; MORANO, Clemente Pignatti. Drivers and effects of labour market reforms: evidence from a novel policy compendiumIZA Journal of Labor Policy, Bonn, 11 ago. 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s40173-016-0071-z>. Acesso em: 15 set. 2017.

DIAP, “Reforma Trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades representativas”, Brasília, Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, 2017, 62 pp,  disponível em www.diap.org.br.

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DIEESE, “Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?”, São Paulo, Nota Técnica 179, 2017, disponível em www.dieese.org.br

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EICHHORST, Werner; MARX, Paul; WEHNER, Caroline. Labor market reforms in Europe: towards more flexicure labor markets?. In: IZA/ILO CONFERENCE ON "ASSESSING LABOR MARKETS REFORMS", 2016, Geneva.Papers...Disponível em: <http://ftp.iza.org/dp9863.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017.
Janus Capital eleva posição em ações brasileira. Valor Econômico. 13 de junho de 2016. In https://www.pressreader.com/brazil/valorecon%C3%B4mico/20160613/282110635885427


[1]Diretor técnico do DIEESE.
[2]Esse item do artigo contou com a colaboração de Paulo Jager, economista do DIEESE.
[3]Fontes e metodologia do estudo:As principais fontes de informação são as bases de dados da OIT EPLex e NATLEX, as mais abrangentes sobre o assunto segundo os autores. O apanhado distingue as mudanças nas seguintes áreas (subdomínios) da legislação: contratos permanentes de trabalho; contratos temporários de trabalho; outras formas de emprego (teletrabalho, dependente self-employees); instituições da negociação coletiva; demissões coletivas; e jornada de trabalho.  Assim, no caso de uma reforma abrangente, como a espanhola de 2012, os autores identificaram 18 alterações (segundo o subdomínio). A estas mudanças denominam, no estudo, “reforma”. Segundo os autores, esse procedimento pode levar a um número elevado de mudanças em determinado país sem, contudo, refletir a importância das mesmas. Para minimizar o problema, classificam todas as mudanças segundo três variáveis zero ou um (dummies): o sentido da intervenção (se aumenta ou diminui a legislação); a temporalidade da intervenção (se em bases permanentes ou temporárias); e se a sua cobertura / população alvo é parcial ou abrange toda a população.

[4]Como variáveis explicativas, os autores utilizam: a) para o ambiente macroeconômico, a diferença entre a taxa de variação do PIB e sua taxa média de variação em 5 anos, centrada no ano corrente; b) para a situação fiscal, uma variável indicando se há ou não um processo de consolidação fiscal em curso; c) variável indicando a presença ou não de um regime de câmbio fixo ( ou pertencimento a uma união monetária); d) PIB per capita como forma de captar as especificidades de cada país; e) duas variáveis, para captar a presença de ano eleitoral e ano pós eleitoral; f) uma variável para captar a orientação política do governo;  g) outras variáveis menos relevantes.
[5]Para uma análise detalhada do conteúdo da reforma recomendam-se as Notas Técnicas e demais publicações do DIEESE, disponíveis em www.dieese.org.br, em especial a Nota Técnica 178 “A reforma trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil”, a Nota Técnica 179 “Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?”. No site do DIEESE estão disponíveis também textos, apresentações e vídeos sobre o assunto. Sobre terceirização, entre outros estudos produzidos pelo DIEESE, destaca-se a Nota Técnica 172 “Terceirização e precarização das condições de trabalho”.
Também se indica a publicação do DIAP “Reforma Trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades representativas” publicada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, disponível em www.diap.org.br.


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