A (des)construção dos direitos trabalhistas no Brasil

A (des)construção dos direitos trabalhistas no Brasil

Clemente Ganz Lúcio[1]
Patricia Lino Costa[2]

Os direitos sociais e trabalhistas são construções históricas realizadas nos espaços de conflitos e de disputas distributivas que permeiam as relações econômicas e políticas de uma sociedade. Nas sociedades democráticas, materializa-se em acordos sociais que expressam compromissos com as futuras gerações. Trata-se de um pacto social, ou seja, um acordo que contém disposições relacionados ao interesse geral da sociedade e voltadas para o bem comum; que, muitas vezes, expressa compromissos de mudança diante de uma situação de injustiça e desigualdade; que reposiciona uma correlação de forças real em que os mais fracos se recolocam nas relações sociais em um novo patamar por meio de direitos.
Constrói-se uma nova situação em processo de mudança contínua, pois o jogo social continuará abrindo, no permanente espaço do conflito, um novo campo de luta, de resistência, para preservar direitos, ou para avançar e construir um novo patamar de direito. O pacto em torno do direito estabelece um novo piso para o qual toda a sociedade deve convergir, declara seu caráter normativo e indutor das relações sociais, carrega um novo nível civilizatório para uma situação concreta, presente e futura.
As organizações da sociedade civil e o movimento sindical sabem que os direitos sociais e trabalhistas requerem e exigem capacidade de produção econômica, como base material para sua sustentação, e a construção política como base cultural e psicossocial, faces indivisíveis e unidimensionais da vida em sociedade.
O ambiente de liberdade, o regime democrático, o equilíbrio harmônico entre os poderes, o fortalecimento das instituições e a organicidade das representações são, entre outros elementos, essenciais para a promoção de espaços de diálogo social e para a constituição de sujeitos coletivos. 
Há amplo entendimento de que a Constituição de 1988 forjou o atual pacto político e o acordo social, resultado de décadas de luta pelo fim da ditadura e o restabelecimento da democracia no país. Naquele período, concluiu-se, esquematizando e simplificando, um espaço de complexas negociações entre as forças sociais que lutaram pela superação da ditadura e aqueles que queriam mantê-la, escondê-la ou esquecê-la. Formou-se, nos limites da nossa transição lenta e gradual, uma nova vontade geral, consubstanciada na Carta Magna, que fundou a nova democracia brasileira e estabeleceu as regras para o jogo social em andamento há quase 30 anos.
Ao longo da década de 90, período de crise econômica continua, iniciativas governamentais trouxeram a expansão da flexibilização dos direitos trabalhistas por meio de dezenas de iniciativas pontuais de mudança legislativa, realizadas em tempos de altas taxas de desemprego, de perdas salariais e de altas taxas de inflação.
De 2004 2014 esse quadro se altera: o desemprego é reduzido com a expansão do emprego formal; há a recuperação dos salários e a valorização do salário mínimo; expansão dos direitos sociais e, por meio das negociações coletivas, dos direitos trabalhistas; não houve iniciativas governamentais para a flexibilização e interrompeu-se processos nesse sentido, como, por exemplo, aquele que autorizava sem limite o uso da terceirização.
A partir de 2014 a economia brasileira começou a “andar de lado”. A gravíssima crise política aprofunda os problemas econômicos e joga o país em uma das mais profundas recessões da sua história. Criou-se o ambiente para o intencional impeachment da Presidenta Dilma, movimento sustentando para inserir plenamente o Brasil nos fundamentos e preceitos neoliberais e interesses internacionais, entregando as riquezas naturais e o sistema produtivo ao capital internacional, limitando o papel do Estado e das políticas sociais, flexibilizando os direitos trabalhistas e dando ao mercado, a supremacia absoluta para regular as relações socais.
Integrados à força e de maneira ilegítima, o governo e o Congresso passaram a produzir, de maneira veloz e sem nenhum debate público, profundas mudança que favorecem à concorrência e competição para a exploração sem limites das riquezas naturais, da capacidade produtiva e da força de trabalho existentes no país. A austeridade se tornou mantra para desmontar os direitos sociais, a seguridade e previdência social e reduzir ao mínimo o papel do Estado.
Em meio a este cenário, o presente artigo pretende apresentar as mudanças nas relações de trabalho pós constituição, que culminou com a Reforma Trabalhista implementada em novembro de 2017 e refletir sobre os desafios necessários para resistir ao desmonte atual e a nova lógica financeira.

O mercado de trabalho brasileiro 
A implantação da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho - e a estruturação do mercado de trabalho ocorrida desde 1940, elevou o número dos assalariados com carteira e reduziu o de autônomos, porém, esta última categoria nunca deixou de existir. Já a rápida urbanização trouxe mão de obra do campo sem especialização: a industrialização promovida contribuiu para a formação do mercado de trabalho que não tem capacidade de absorver toda a forca de trabalho do país. A industrialização feita tardiamente, ao importar tecnologia dos países desenvolvidos, trouxe indústrias, intensivas em capital, que coexistiam com pequenas indústrias nacionais, com pouca tecnologia e intensiva em mão de obra. Essa estrutura de produção exigia uma força de trabalho qualificada e de altos salários e, uma parcela grande de trabalhadores ficavam de fora, sendo absorvido pelas empresas nacionais, com baixos salários e alta rotatividade ou eram autônomos ou não conseguiam se inserir em nenhuma atividade. Assim, o mercado de trabalho brasileiro se caracteriza por ser heterogêneo, onde o leque salarial é amplo e a informalidade e o desemprego, altos; e é também altamente flexível, no sentido de permitir a redução salarial e demissão de mão de obra.
Desde a sua criação, a CLT garantia direitos como: salário mínimo, limite para jornada de trabalho, período de repouso remunerado, pagamento maior de horas extras, férias, licença maternidade, aviso prévio à demissão, condições de segurança no trabalho, proteção ao trabalho do menor e da mulher, proteção contra demissão injustificada, além do décimo terceiro salário – criado em 1963, e do seguro desemprego, instituído em 1986. 
Em 1988, com a nova Constituição, novos direitos foram incorporados, tais como a gratificação de 1/3 do salário e a licença paternidade de 5 dias, além da ampliação de alguns direitos já existentes, como a licença maternidade (ampliada de 90 para 120 dias), redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas, multa do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que, em caso de demissões injustificadas aumentou de 10% para 40%, entre outros.
Importante falar sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço[3],porque foi criado para ser uma alternativa ao sistema de proteção contra as demissões imotivadas presentes na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Porém, antes da criação do FGTS, o empregador era obrigado, por força de lei[4], a indenizar seus funcionários com mais de um ano de trabalho, com um salário mensal por cada ano de atividade, no ato da demissão. Após dez anos de tempo de casa, o empregado ganhava estabilidade e não podia mais ser dispensado. Caso isto ocorresse, poderia recorrer à Justiça do Trabalho e pedir a reintegração que, se fosse julgada desaconselhável, a empresa era obrigada a indenizar com pagamento de dois meses de trabalho por ano.
No entanto, ao optar pelo FGTS, o empregado perdia automaticamente seus direitos de estabilidade. De forma que com a opção, a opção pelo fundo passou a ser condição para a assinatura do contrato de trabalho, pode-se dizer que o FGTS substituiu, na prática, o regime de estabilidade previsto na CLT. Ademais, a partir de 1988, o FGTS passou a ser obrigatório. Assim, a proteção que a lei exercia sobre o emprego, ao desestimular a demissão injustificada, transformou-se em um fundo de recursos depositados pelas empresas, mensalmente, para o uso futuro do trabalhador, segundo Tuma (1999, p. 142.).
Desta maneira, o FGTS diminuiu o custo de demissão, aumentando, porém, o custo de admissão. O baixo custo de demissão, associado ao pagamento de duas horas diárias ou sete dias corridos de aviso prévio, além de multa do FGTS, fez com que se tornasse mais vantajoso demitir o trabalhador, ao invés de mantê-lo, e continuar incorrendo em custos empregatícios, em momentos de conjuntura desfavorável.

Mudanças no trabalho após a Constituição

Após a promulgação da constituição, ao longo da década de 90, o país foi levado a uma brusca abertura econômica, fruto do discurso liberal dominante, com a ideia de que o que deveria prevalecer seria o Estado mínimo. As consequências foram sentidas diretamente no mercado de trabalho, com elevação do desemprego e redução da renda. Neste período, o discurso da flexibilização ganha força e se consolidada em 1994, com o Plano embasadas na ideia de que a suposta rigidez seria a responsável pelas altas taxas de desemprego. 
Entre as medidas de flexibilização adotadas entre 1993 e 2000, relacionadas à  contratação da mão de obra, destacam-se o contrato por tempo determinado, a suspensão temporária do contrato de trabalho, intensificação da terceirização, possibilidade de contratação de autônomos que trabalham para uma empresa ou  a famosa “pejotização”.
As medidas mais importantes relacionadas a jornada de trabalho foram a introdução do banco de horas, a liberação do trabalho aos domingos e a contratação em regime de tempo parcial. 
Na remuneração, o destaque foi a PLR ou Participação nos Lucros ou Resultados, que introduziu a possibilidade de remuneração variável na renda do trabalho, diminuindo o percentual incorporado ao salário no momento da negociação (aumento real) e cuja negociação pode prescindir da presença dos sindicatos.
            No campo da negociação, ficou vedada a possibilidade de negociação coletiva dos funcionários públicos, o governo não ratificou a Convenção 158 da OIT, que estabelece a obrigatoriedade de que o empresariado justifique, por escrito, os motivos das demissões. Assim, tanto no caso de demissão individual quanto da coletiva, seria necessário preencher determinados requisitos de procedimento, tais como o direito de defesa, procurar a reversão das dispensas coletivas e o envolvimento das autoridades locais na tentativa de reverter, total ou parcialmente, as demissões coletivas.
Além disso, vários precedentes normativos foram cancelados pelo TST, como a obrigatoriedade de pagamento de horas extras com o adicional de 100% das horas normais, aviso prévio de 60 dias, salário nova função que assegurava ao empregado designado ou promovido o direito de receber integralmente o salário da nova função, entre outros.
Nos anos 2000, a partir de 2004, o país entrou em rota de crescimento, e mesmo com a “rígida” CLT, os empregos formais cresceram, a renda aumentou e e a informalidade diminuiu.
A nova crise política e econômica de 2014/2015 abriu caminho para o impeachment da Presidente Dilma, que liberou o país ao ideário neoliberal e ao capital estrangeiro. Uma grande onda de entregas do país varreu a sociedade brasileira, disponibilizando, vendendo ou doando riquezas naturais e produtivas, o mercado de consumo, mudando as regras de concorrência e competição, reduzindo e flexibilizando os direitos sociais e trabalhistas. 
Uma das inúmeras profundas mudanças institucionais foi promovida pela Lei 13.429/2017 que alterou o trabalho temporário e garantiu a terceirização na sua forma mais perversa, jogando fora anos de debate triparte sobre o tema; debate este que tentava pactuar uma forma mais justa e segura de terceirizar trabalhadores contra a visão empresarial da necessidade de terceirizar tudo e todos. A Lei aumentou os riscos de crescimento de precarização das condições de trabalho e rotatividade, permite a a quarteirização e a subcontratação, inclusive por PJs, e pode levar à fragmentação excessiva dos processos produtivos, dificultando a fiscalização, pelos órgãos governamentais, do cumprimento de obrigações fiscais e previdenciárias pelas diversas prestadoras de serviços. 
Essa mudança ganhou grande expansão com a aprovação da Lei 13.487/2017, que entrou em vigou em novembro de 2017, promovendo ampla e profunda reforma trabalhista, alterando a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções e acordos coletivos eram pisos progressivos de direitos. A partir de então, a Constituição passou a ser o teto, a legislação é uma referência de direitos que poderão ser reduzidos pelas convenções; os acordos poderão diminuir garantias previstas em leis e convenções; o indivíduo poderá abrir mão de muito do que foi conquistado, coletivamente, com muita luta. Os trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” de reduzir salários e garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada e quitar definitivamente direitos - na presença coercitiva do empregador. O acesso dos trabalhadores à justiça foi limitado. As empresas terão inúmeros instrumentos que garantirão máxima proteção e liberdade jurídica para ajustar o custo do trabalho. 
Vários novos tipos de contratos fazem parte das mudanças (tempo parcial, trabalho temporário, intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho, trabalho em casa) e permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização da jornada no que se refere à duração, intervalos, férias, banco de horas etc. As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com diversas formas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.
O poder de negociação dos sindicatos é fragilizado com o “novo poder” de reduzir direitos, por meio da interposição de comissões de representação dos trabalhadores, nas quais é proibida a participação sindical, ou do empoderamento do indivíduo para negociar diretamente. Essas medidas quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores serão incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Ficarão submetidos ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do medo de perder o emprego.
A Justiça do Trabalho, que agora será paga, terá as tarefas reduzidas à análise formal dos pleitos. A lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
Foram alterados 117 artigos e outros 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, que operam um verdadeiro ataque aos trabalhadores.[5]

Considerações sobre o futuro e dos desafios

Essas e tantas outras mudanças vêm sendo promovidas rapidamente, sem debate público, favorecendo o capital e deixando os trabalhadores descobertos de proteção social. Cabe a luta, na qual se inclui a resistência, para que, no presente, se forjem novas possibilidades de avanços sociais e trabalhistas para o futuro. A seguir destacamos alguns desafios.

Será necessário investir na compreensão dessa nova complexidade que a ordem neoliberal impõe ao mundo, criando espaços de reflexão para a análise dos fenômenos e de debate sobre a intervenção transformadora dessa realidade. Esse desafio deve ser enfrentado com melhor articulação e novas possibilidades de cooperação entre as organizações da sociedade, em especial o movimento sindical e popular, intelectuais, setor produtivo, entre outros agentes e atores sociais, interessados em compartilhar saberes voltados à transformação social, criar compromissos que desenhem e construam novos projetos.
As forças sociais democráticas devem ser articuladas para investir em projetos que alcem o patamar de desenvolvimento do país, sustentado politicamente em processo de pactuação da relação entre a produção e a distribuição econômica, no fortalecimento das instituições, da democracia, da liberdade, na redução das desigualdades e na promoção de políticas sociais universais.
Deve-se compreender que o fenômeno da globalização requer um outro nível de articulação internacional das forças sociais, políticas e econômicas, inclusive do sindicalismo, e que se construa cooperações para intervenção crítica e transformadora.
As transformações econômicas e dos sistemas produtivos, a expansão da economia de serviços, com novas tecnologias de informação, comunicação, transporte, energia, entre outros, criam novos padrões e paradigmas produtivos e sociais que transformam a temporalidade e os processos de tomada de decisão. A agressiva competição entre empresas e nações e a demanda pelo máximo retorno ao investidor, sem compromisso com a produção e com a questão distributiva, pressionam o sistema produtivo, na busca pelo menor custo, à máxima flexibilidade para alocar e desmobilizar o trabalho na produção, ajustar salários, limitar custos diretos e indiretos, reduzir passivos trabalhistas e aumentar a segurança jurídica das formas flexíveis de contratos laborais. As reformas trabalhistas, na maior parte dos países, estão entregando a flexibilidade propugnada. A crise econômica e o desemprego deram assento à iniciativa e reduziram a capacidade de resistência. Logo, o desafio é refletir sobre uma economia que expande serviços, tecnologia e comunicação. O sindicalismo estruturado e organizado a partir do mundo fabril não é mais capaz de responder a essa nova ordem de organização da produção. As grandes unidades produtivas (fábricas), que reuniam milhares de trabalhadores (operários) que entravam todos os dias pelos mesmos portões e no mesmo horário; que geravam, na cultura familiar, a expectativa de que a profissão dos pais passasse para os filhos; que criavam os bairros operários e que, por sua dinâmica, estruturaram a solidariedade institucionalizada nos sindicatos, não é mais a dominante entre os trabalhadores. Atualmente, essa situação perde participação relativa na composição da classe trabalhadora e expandem-se as ocupações instáveis, precárias e com salários predominantemente inferiores aos oferecidos pela indústria. 
As unidades de produção estão distribuídas e espalhadas no espaço urbano, alocando poucos trabalhadores e cresce o contingente de trabalhadores isolados. Não há, necessariamente, postos de trabalho fixos fisicamente, e sim trabalhadores que circulam no espaço da cidade ou entre cidades. Também não há emprego fixo, mas possibilidades diárias de ocupação, como o trabalho intermitente e o trabalho autônomo. O desafio é compreender essa nova dinâmica de organização da produção e seus reflexos para a organização sindical. O mercado de trabalho ganha, cada vez, mais dinâmica dual, com empregos seguros (cada vez menos) e inseguros (cada vez mais e com diversas formas de materialização). As ocupações sem segurança, garantidas pelas legislações, ampliam o emprego temporário, autônomo ou por conta própria; terceirizado ou promovido por agência de locação de mão de obra; com jornada parcial, intermitente. Logo, como resposta estrutural às mudanças na base produtiva e no sistema laboral, o desafio é recolocar o sindicato como sujeito de representação coletivo, instrumento que atua como escudo protetor contra o poder de submissão da empresa sobre o indivíduo.
Outro desafio é trazer para as Convenções e Acordos Coletivos, o poder de regular por meio da negociação toda e qualquer inciativa de aplicação das novas regras da Lei. Caberá à negociação estabelecer as regras, as formas e as condições para operar a nova legislação.
A relação entre empregos seguros e trabalhos temporários poderia existir de forma positiva, se houvesse alta mobilidade entre essas formas de ocupação e se a transição dos trabalhadores temporários para ocupações estáveis, quando desejada, fosse bem-sucedida. Ademais, esse tipo de contrato flexível deveria ser protegido por amplas e universais políticas públicas de emprego. Entretanto, o trabalho temporário é, predominantemente, imposição para uma condição insegura, instável e precária, cuja transição ou motricidade ocorre para a condição de desemprego. Assim, o grande desafio é criar alta capacidade sindical de disputar a regulação de todas as formas de ocupação e contratação, capaz de impor limites à flexibilidade e garantir ocupações seguras. Em paralelo, é necessária a ampliação do sistema de proteção dos empregos, de políticas públicas da área da educação e formação profissional e de sistemas de intermediação de mão de obra eficientes; além de seguro-desemprego com duração abrangente e garantia de renda. Ainda é imprescindível a adoção de medidas de apoio a pequenos empreendedores e trabalhadores autônomos no que se refere a crédito acessível e assistência técnica.
Como as diferentes formas de trabalho parcial e temporário, precário e instável têm influência no baixo crescimento da produtividade, especialmente nas micro e pequenas empresas, uma vez que dispensam o investimento em formação e desestimulam o acúmulo de experiência que promove avanços no processo produtivo, é necessário investir em políticas de incremento da produtividade (agregação de valor e expansão de mercado) para micro e pequenas empresas, que possam se desdobrar em compromissos de melhoria dos empregos e da remuneração dos trabalhadores. Além de atuar na proteção dos empregos e contra a precarização, investir na formulação e no desenvolvimento de políticas públicas que, associadas à redução da jornada de trabalho, ofereçam um sistema de seguridade social permanente e universal, assistência social e suporte às famílias no que se refere à moradia, transporte, saúde e educação, entre outros aspectos.
Como as reformas tendem a restringir o papel de representação coletiva de interesse dos sindicatos para regular os conflitos reais da relação capital e trabalho. O resultado pode ser uma sociedade submissa, em função de diversos fatores, como a coerção exercida pelas empresas, a força de polícia do Estado, o medo do desemprego e a desigualdade que desvincula as pessoas de compromissos sociais. Outras possíveis consequências são o aumento dos conflitos trabalhistas e sociais e diferentes formas de micro e macro rupturas. Dessa maneira, o desafio é, além do investimento na negociação, criar os meios para a presença e consolidação das organizações sindicais no chão da empresa.
Em paralelo à reforma, estão sendo promovidas revisões das políticas públicas de emprego, trabalho e renda. Formação profissional, intermediação de mão de obra, seguro-desemprego e apoio ao empreendedorismo estão fragilizados em razão da crise fiscal dos estados e da pressão pela redução de impostos. Dessa forma, o desafio é investir no desenvolvimento das políticas públicas de emprego, trabalho e renda.
A reforma caminha também para o sistema previdenciário, de forma que o desafio é estruturar um sistema previdenciário e de seguridade social universal, no qual seja assegurado a todos, a partir de certa idade, o direito à renda de proteção. Esse sistema deverá ampliar sua fonte de financiamento por meio da combinação entre contribuição previdenciária e impostos gerais progressivos oriundos de toda a sociedade.
            Esses são alguns dos desafios, entre tantos outros, que devem formar uma agenda de formulação e intervenção para recolocar a questão social no centro de debate político e na sua precedência como orientadora do desenvolvimento econômico.


Bibliografia:
1.     BALTAR, P. E. A.; PRONI, M. W.  Sobre o regime de trabalho no Brasil: rotatividade da mão-de-obra, emprego formal e estrutura salarial.  In: OLIVEIRA, C. A. B.; MATOSO, J. L. (Orgs.).  Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou passado?  São Paulo: Scritta, 1996.  p. 109-150.
2.     ____.; DEDECCA, C.S; HENRIQUE, W.  Mercado de trabalho e exclusão social no Brasil.  In: OLIVEIRA, C. A. B; MATOSO, J. L. (Orgs.).  Crise e trabalho no Brasil:modernidade ou passado?  São Paulo: Scritta, 1996.  p. 55-86
3.    COSTA, P.L. Suspensão temporária do contrato de trabalho: experiência internacional e brasileira. PUC-SP, 2001.
4.    DIAP. Reforma Trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades representativas”. Disponível ewm http://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/viewcategory/95-reforma-trabalhista-e-seus-reflexos-sobre-os-trabalhadores-e-suas-entidades-representativas

5.    DIEESE. “A reforma trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil”Nota Técnica 178. Maio de 2017. Disponível em https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec178reformaTrabalhista.html
6.    _______.“Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?”. Nota Técnica 179. Maio de 2017. Disponível em https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec179ConjunturaReforma.html
7.    _______.“Terceirização e precarização das condições de trabalho”. Nota Técnica 172. Março de 2017. Disponível em https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.html
8.    GANZ LUCIO, C. O contexto e as mudanças no sistema de relações de trabalho no Brasil: mudança, retrocesso e desafios. Pontos para a reflexão. In: CEAS (no prelo)
9.     KREIN, J. D.  Reforma no sistema de relações de trabalho no Brasil.  In: DIEESE (Org.).  Emprego e desenvolvimento tecnológico.  São Paulo, 2000. p. 255-294.
10.  ________. Flexibilização leva à precarização do Trabalho. Coletiva,  Número 19, 2016. Disponível em http://www.coletiva.org/index.php/artigo/flexibilizacao-leva-a-precarizacao-do-trabalho/
11.  TUMA, F.  Participação nos lucros e resultados.  São Paulo: LTr, 1999.  271 p.




[1]Sociólogo e diretor técnico do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – e professor universitário.
[2]Economistas e supervisora da área de preços do DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - e professora universitária.

[3]Fundo constituído de depósitos mensais feitos pelas empresas, equivalentes a 8% do salário do empregado (inclusive do décimo terceiro salário). Estes depósitos são corrigidos mensalmente e acrescidos de 3% ao ano, mais a correção pela TR – Taxa referencial de juros, seguindo o mesmo critério da caderneta de poupança. Os trabalhadores optantes pelo FGTS existentes à data de 22/09/1971, fazem jus a uma remuneração maior que varia de 4%, 5% ou 6% ao ano, dependendo do número de anos de permanência na empresa. O empregado tem direito a sacar esse fundo quando: demitido sem justa causa,  por rescisão antecipada de contrato por tempo determinado,  na compra ou construção de um imóvel, em pagamentos de prestações do saldo devedor decorrente de financiamento habitacional em âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, em caso de aposentadoria, quando permanecer três anos ininterruptos sem crédito de depósitos (contas inativas), quando da suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 dias, em caso de aplicações em quotas de Fundos Mútuos de Privatização, para tratamento da AIDS, em caso de extinção da empresa e falecimento do trabalhador. 
[4]Artigos das CLT que tratam da rescisão do contrato de trabalho e da estabilidade do trabalhador.
[5]Para uma análise detalhada do conteúdo da reforma recomendam-se as Notas Técnicas e demais publicações do DIEESE, disponíveis em www.dieese.org.br, em especial a Nota Técnica 178 “A reforma trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil”, a Nota Técnica 179 “Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?”. No site do DIEESE estão disponíveis também textos, apresentações e vídeos sobre o assunto. Sobre terceirização, entre outros estudos produzidos pelo DIEESE, destaca-se a Nota Técnica 172 “Terceirização e precarização das condições de trabalho”.
Também se indica a publicação do DIAP “Reforma Trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades representativas” publicada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, disponível em www.diap.org.br.


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