A reforma trabalhista e a precarização do mercado de trabalho

A reforma trabalhista e a precarização do mercado de trabalho

Clemente Ganz Lúcio[1]
Patrícia Lino Costa[2]

A Constituição de 1988 completa 30 anos sem que o país tenha muito a comemorar. Desde 2014, o Brasil enfrenta uma das piores recessões econômicas de sua história, com impactos negativos sobre o mercado de trabalho, o que acabou por desfazer os ganhos do crescimento do período anterior, entre 2004 e 2013. A situação se agravou com a aprovação, sem nenhum debate social, da Reforma Trabalhista, que, literalmente, acabou com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), tornando legal vários dispositivos que precarizam o trabalho e prejudicam o trabalhador. 
A CLT já vinha sendo flexibilizada de forma discreta, ao longo dos anos 1980 e 1990, sob o pretexto da rigidez da legislação trabalhista brasileira. Durante este período, foram implantados vários tipos de contratação e remuneração, entre as quais figuram o trabalho por tempo determinado, o banco de horas, a Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), a suspensão temporária do contrato de trabalho, o regime de contrato em tempo parcial e o trabalho aos domingos.
No entanto, em 2017, primeiro com o Projeto de Lei 4.302, que aprovou a terceirização irrestrita, em março, e depois com a Reforma Trabalhista, aprovada em agosto para entrar em vigor em novembro do mesmo ano, um verdadeiro rolo compressor foi passado sobre os direitos do trabalho, jogando por terra anos de debate sobre a questão das mudanças das regras trabalhistas. 
O discurso do governo é que toda essa modernização das relações do trabalho viria acompanhada pelo crescimento do emprego e desenvolvimento do país, o que, evidentemente, como já esperado pelos críticos das medidas, não ocorreu. A economia brasileira continua patinando em 2018, e o mercado de trabalho, consequentemente, também não melhora, com desemprego estacionado nas alturas e aumento da precarização e informalidade. 
O PIB brasileiro, em 2017, foi de 1,0%. A previsão oficial para 2018 chegava a 4% e agora, depois de várias revisões, está em 1,5%. 
A população brasileira em idade de trabalhar é de 170 milhões de pessoas, segundo os dados da Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em junho 2018. Desse total, cerca de 104 milhões formam a força de trabalho, das quais 91 milhões são ocupadas e 13 milhões, desocupadas. O semestre foi encerrado com uma taxa de desemprego de 12,7%, segundo o IBGE. Em dezembro de 2016, estava em 6,4% e foi aumentando até atingir 13,6%, em 2017 (Gráfico 1).
As desigualdades que perpassam a estrutura social brasileira também estão presentes no mercado de trabalho. Por exemplo: no Nordeste, a taxa de desemprego é de 16%, o dobro daquela observada no Sul (8,4%); entre os homens, a taxa é de 13,6% e, entre as mulheres, de 15%; entre os jovens de 18 e 24 anos, o desemprego chega a 28% e entre os de 14 e 17 anos, a 44%; entre os brancos, fica em 10,5%, entre os pardos, em 15,1%, e entre os negros representa 16%.
GRÁFICO 1
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais
Brasil  - 2014 a 2018 (em %)
Fonte: IBGE. Pnad Contínua
Elaboração: DIEESE

Os assalariados do setor privado são 37% da força de trabalho e os ocupados da esfera pública, 12%, totalizando cerca de 44,6 milhões de trabalhadores. Os assalariados sem carteira são 12%, os trabalhadores domésticos, 7%, os por conta própria, 25%, e os que atuam em negócios familiares, sem receber remuneração (trabalhador familiar auxiliar), chegam a 2%. Nesse universo de 43 milhões de trabalhadores, crescem a informalidade, a precariedade e a insegurança.
O nível de ocupação e o tamanho da força de trabalho ficaram estáveis no semestre porque 774 mil pessoas saíram do mercado. Entre 2017 e 2018, cresceram a ocupação precária dos conta própria e os assalariados sem carteira de trabalho, inclusive no emprego doméstico. 
Já os rendimentos médios não se alteraram em 2018, quando se compara o valor do trimestre (abril, maio junho de 2018) com o último de 2017. A massa de rendimentos também se manteve estável no mesmo período.
No último trimestre de 2017, de acordo com o IBGE, o número de trabalhadores brasileiros subutilizados chegava a 24 milhões, o correspondente a 23,6% da força de trabalho ampliada. Já no primeiro trimestre de 2018, passou para 27,7 milhões, equivalente a 24,7%. E o que significa ser subutilizado? O IBGE soma o número de pessoas em desemprego aberto, ou seja, com procura ativa nos últimos 30 dias da pesquisa, e de todos os ocupados que trabalharam menos de 40 horas semanais. Também engloba os chamados desalentados, aqueles que não procuraram trabalho no último ano, mas que expressaram, na pesquisa, desejo de trabalhar, além dos que procuraram uma colocação, mas que não podiam iniciar o trabalho naquela semana. O Instituto chama a base desse indicador (taxa de subutilização) de força de trabalho ampliada, ou seja, é a população em idade ativa menos os inativos puros, pessoas que não procuraram trabalho e não querem trabalhar.
O Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), um dos registros administrativos do Ministério do Trabalho, que trata apenas do emprego formal, mostrou que, entre janeiro e junho de 2018, o crescimento do saldo de empregos foi de apenas 1,04% no país. E as modalidades de contratação (trabalho intermitente e trabalho em regime de tempo parcial) e demissão (comum acordo para rescisão contratual) criadas pela Reforma Trabalhista começam a aparecer nos dados. 
Em junho de 2018, mais de 13 mil contratos de demissão de comum acordo entre empregado e empregador foram realizados. Por meio desse acordo, o trabalhador abre mão de metade do aviso prévio, recebe somente 20% da multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e consegue sacar apenas até 80% do valor do Fundo, além de perder o benefício do seguro-desemprego (Tabela 1).
O número de trabalhadores intermitentes também vai aumentando, como mostra a Tabela 1. O intermitente surgiu com a mudança na legislação trabalhista. Ele é aquele que presta serviços com subordinação, alternando períodos de atividade e inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador. 
Já a modalidade trabalho parcial também cresce em 2018, segundo o Caged. Modificado pela Reforma Trabalhista, hoje é aquele cuja duração não excede a 30 (trinta) horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou aquele que não pode passar de 26 (vinte e seis) horas semanais, com aumento de até 6 horas extras semanais.

TABELA 1
Dados da Reforma Trabalhista: demissão por comum acordo, 
trabalho intermitente e trabalho em período parcial
Brasil - Novembro a junho de 2018
Mês
Desligamento por comum acordo 
Trabalho Intermitente
Período Parcial
Adm.
Deslig.
Saldo
Adm.
Deslig.
Saldo
nov/17
855
3.120
53
3.067
744
513
231
dez/17
5.841
2.851
277
2.574
2.328
3.332
-1.004
jan/18
9.356
2.860
399
2.461
4.982
3.485
1.497
fev/18
11.118
2.660
569
2.091
6.490
3.423
3.067
mar/18
13.522
4.002
803
3.199
6.851
3.658
3.193
abr/18
12.494
4.679
949
3.730
5.875
3.269
2.606
mai/18
14.576
4.385
1.165
3.220
5.338
3.357
1.981
jun/18
13.236
4.068
1380
2.688
4.525
3.537
988
Fonte: Ministério do Trabalho. Caged
Elaboração: DIEESE

Como pensar em desenvolvimento e crescimento do país com uma economia que não deslancha e com um mercado de trabalho precarizado, com empregos temporários e sem nenhuma garantia?
Para piorar a situação, os sindicatos, principal instituição protetora e garantidora dos direitos dos trabalhadores, também foram duramente atacados pela Reforma Trabalhista. A regra imposta pela nova lei dificulta o pagamento da principal fonte de financiamento das entidades, a contribuição sindical, pelos trabalhadores e ainda institui comissões de representação por empresas, sem participação de membros dos sindicatos. Além de piorar a situação do trabalhador, de maneira geral, a reforma abala a instituição que o defende, tornando-a mais fraca justamente no momento em que ela deveria intensificar a luta pela manutenção dos direitos, retirados com aval da lei.  
Não é à toa que os 30 anos de Constituição de 1988 estão sendo marcados pelo desalento. Todas essas mudanças para pior têm sido promovidas de forma avassaladora, rapidamente, sem debate público e sem levar em consideração o que diz a Carta Magna, cuja diretriz é o bem-estar da população. Sem exceção, as alterações favorecem, francamente, o capital em detrimento do trabalho, deixando os trabalhadores sem qualquer tipo de proteção. 
A extensão e a profundidade das medidas e a forma pela qual foram implantadas trazem severos impactos sobre o ambiente da produção econômica e a vida social. Reparar os estragos pode ser demorado, problemático, mas é imperativo. Exigirá renovada capacidade de enfrentamento e a construção de um novo patamar de relacionamento no campo trabalhista. Aos trabalhadores e ao movimento sindical cabe a luta, na qual se inclui a resistência, para que se forjem novas possibilidades de avanços sociais e trabalhistas no futuro. 

Bibliografia:

·      DIEESE. A reforma trabalhista e os impactos para as relações de trabalho no Brasil. São Paulo, maio 2017. (Nota Técnica, 178). Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec178reformaTrabalhista.html
·      _______. Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?. São Paulo, maio 2017. (Nota Técnica, 179). Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec179ConjunturaReforma.html
·      _______. Terceirização e precarização das condições de trabalho. São Paulo, mar. 2017. (Nota Técnica, 172). Disponível em: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.html
·      LUCIO, C. G. O contexto e as mudanças no sistema de relações de trabalho no Brasil: mudança, retrocesso e desafios. Pontos para a reflexão. São Paulo: CEAS. No prelo.
·      IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro,  jun. 2018.
·      Ministério do Trabalho. CAGED: dados mensais. Brasília, DF, jun. 2018.



[1]
                  [1]Sociólogo e Diretor Técnico do DIEESE
[2]
                  [2]Economista e Supervisora da área de preços do DIEESE

Comentários