Na Espanha construiu-se um novo acordo, agora com perspectiva social (parte 2)

Na Espanha construiu-se um novo acordo, agora com perspectiva social (parte 2)
Clemente Ganz Lúcio[1]

O governo espanhol e os partidos políticos que formam o grupo confederado Unidos / Podemos / En Marea / En Común Podempromoveram uma guinada política à esquerda na Espanha, com a construção de um acordo para encaminhar o Orçamento Geral do Estado para 2019. Na diversidade, os partidos construíram uma unidade para mudar a forma de agir em relação ao governo e realizar um diálogo capaz de produzir compromissos que reorientem a estratégia de desenvolvimento econômico e social daquele país. A seguir são destacados aspectos da mudança, que lembram muito o recente passado brasileiro.
1 - Atualmente, o salário mínimo espanhol é de 736 euros, pagos em 14 parcelas (valor anual de 10.304 euros). Pelo acordo, em 2019, passará para 900 euros (12.660 euros anual), aumento de 21%, o maior da história! Em 2020, deve subir para 1.000 euros (14.000 euros anual) - mais 11% de aumento, totalizando quase 36% em dois anos! O salário mínimo havia crescido 8%, em 2017, e 4%, em 2018, depois de um período de arrocho. Entre 2012 e 2016, foi reajustado somente em 2,2%. A concepção do acordo é que a ampliação da base salarial impulsionará o fortalecimento da demanda interna, mobilizará o crescimento econômico e afetará positivamente as contas públicas, com aumento da arrecadação de impostos, diminuição do desemprego etc.
2 - O valor das aposentadorias será corrigido pela inflação, com aumento de 3% sobre o valor do piso das pensões. Será revista a forma de contribuição dos trabalhadores autônomos para a previdência social, para adequar a participação deles à capacidade contributiva. Medidas para combater fraudes serão implementadas.
3 - Investimentos sociais fazem parte do acordo: para a construção de moradia de interesse social e financiamento de reformas para melhorar a eficiência energética das casas; mudanças nas regras para dar mais garantias aos inquilinos e controle do reajustes abusivos dos aluguéis; aplicação de recursos em educação, por meio de bolsas de estudo e concessão de material escolar; recuperação do valor do seguro-desemprego para trabalhadores desempregados com mais de 52 anos de idade; implantação de um programa de renda mínima; ajuda para alimentação para combater a pobreza infantil; universalização da educação de crianças de 0 a 3 anos, entre outros itens.
4 - Investimentos em ciência, pesquisa e tecnologia: aumento de recursos aplicados em projetos de pesquisa e no número de pesquisadores, ampliando os gastos em políticas de inovação.
5 - Reforma trabalhista: o acordo prevê revisar até o final deste ano os aspectos mais lesivos da reforma trabalhista espanhola, que foi inspiradora da reforma brasileira. Destacam-se: aprovação, em caráter prioritário e urgente, de uma nova regulação laboral que fortaleça a negociação coletiva. Essa regulamentação traria, por exemplo, a ampliação dos efeitos da ultratividade das convenções coletivas para além dos prazos de vigência estabelecidos; redução das dualidades legais no tratamento de trabalhadores contratados por prazo indeterminado e daqueles contratados por prazo determinado; atuação sobre a instabilidade laboral e a rotatividade; garantia da igualdade de condições de trabalho para os trabalhadores terceirizados; regulação da jornada de trabalho para contratos de tempo parcial; igualdade de direitos entre mães e pais para o cuidado dos recém-nascidos, com o aumento do tempo de licença para oito semanas, em 2019, 12 semanas, em 2020, e 16 semanas, em 2021.  
Entre outros aspectos, o acordo promove também o aumento do imposto sobre grandes fortunas para 1% para patrimônio de mais de 10 milhões de euros.
Esse acordo procura reverter a austeridade do ajuste fiscal que reduziu o gasto público e impactou severamente as condições de vida dos trabalhadores e a classe média, gerou desemprego, precarizou as ocupações, enfraqueceu a demanda interna e deixou a economia espanhola andando de lado.
A renovação política protagonizada pelos partidos políticos espanhóis e o governo se materializou em um novo espaço de diálogo social, no qual os trabalhadores voltaram a ter iniciativa na construção das políticas públicas, e o trabalho, centralidade no projeto de desenvolvimento econômico e social. Mudanças são impulsionadas por aqueles que, depois de derrotas, se colocam em movimento, para a luta social. Para isso, é fundamental preservar os fundamentos e espaços da democracia, atuar na revitalização das instituições e insistir na qualidade do debate público promovido em liberdade.


[1]Diretor técnico do DIEESE.

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