Contrato zero hora e sem salário: vai pegar?

Contrato zero hora e sem salário: vai pegar?

Clemente Ganz Lúcio[1]

A máxima flexibilidade para contratar, definir a remuneração e demitir sem passivo são diretrizes presentes nas mudanças trabalhistas que ocorrem na maior parte dos países desde 2008. Equalizar as condições institucionais para ajustar o custo do trabalho é um objetivo para organizações que disputam e competem no mundo. Isso porque profundas transformações patrimoniais e tecnológicas alteram o sistema produtivo em escala global.
Estudo divulgado pela OIT[2]analisou 642 reformas realizadas em 110 países entre 2008 e 2014. Predomina a diminuição dos níveis de regulação: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego e 55% diminui a proteção ao emprego.
Em 2017 o Brasil é inserido no mesmo caminho com a Lei 13.467/17. Entre as centenas de alterações na legislação laboral, instituiu-se a figura do contrato de trabalho intermitente, também denominado mundo afora de contrato zero hora, no qual o trabalhador firma compromissos de ficar à disposição do contratante para trabalhar se for chamado. Receberá a quantidade de horas efetivamente trabalhada. Por exemplo: chamado para trabalhar 10 horas, com remuneração referenciada no salário mínimo, receberá ao final do mês R$ 43,40 (R$ 4,34 x 10 horas) adicionadas as verbas trabalhistas correspondentes.
Esse tipo de contrato é chamado de zero hora, porque o trabalhador fica permanentemente à disposição dos diversos empregadores, aguardando, sem remuneração, que algum o chame para trabalhar. Corre riscos graves de não ser chamado ou de ser multado caso não compareça a chamada da empresa!
Essas regras estão em vigor desde novembro de 2017. Desde então a estatística do registro administrativo CAGED/MTE registrou 33 mil novos vínculos de contrato intermitente no Brasil, o que representa menos 0,4% do total de novos vínculos no período. Cerca de 10 mil contratos foram encerrados (trabalhador demitido) no mesmo período e o saldo atual é pouco mais de 23 mil vínculos.
Quase metade dos contratos intermitentes foram realizados no setor de serviços (47%), seguido pelo comércio (19%), construção civil (16%), indústria da transformação (14%). Cerca de 67% desse vínculos foram realizado por homens e 33% por mulheres, 85% estavam na faixa etária entre 18 e 39 anos, com formação de ensino médio completo (71%).
É residual, até aqui, o volume de postos de trabalho com contrato intermitente em relação ao total de contratações. Muito provavelmente ocupações intermitentes informais já existentes tenham se transformado em vinculo legalizado, não alterando o volume total de ocupações e passando a dar uma proteção precária a um vinculo que continua, agora legalizado, inseguro e instável. Há suspeitas de movimentos para transformar ocupação estável em vínculo intermitente, o que a Lei permite.
A nova legislação é a base para mudanças que irão se consolidar, ou não, ao longo do tempo. É preciso olhar para um mundo do trabalhado em transformações disruptivas e criar novos paradigmas de sistemas de relações de trabalho, de produção de direitos e de proteção social. A construção social é sempre conflituosa, contraditória e tortuosa, mas não há outro caminho que não seja, enfrentar.


[1]Sociólogo, diretor técnico do DIEESE.
[2]OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um estudo Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium, produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano. Localizar referencia.

Comentários