Metamorfoses da relação capital e trabalho

Metamorfoses da relação capital e trabalho

Clemente Ganz Lúcio[1]

Transformações
O neoliberalismo induz profundas transformações no capitalismo ao submeter o sistema produtivo, os Estados, as relações sociais e todas as esferas da vida à lógica do capital financeiro, cujo objetivo é o máximo retorno no menor prazo.
Um complexo processo econômico, social, político e cultural aprofunda e expande a acumulação de riquezas em escala global,acirrando a concorrência entre as empresas, por meio da combinação entre flexibilidade para alocar a força de trabalho e tecnologia.
O sistema produtivo passa a ser subordinado à lógica da acumulação da riqueza financeira e rentista. Os ganhos daqueles que vivem exclusivamente de renda se sobrepõem à estratégia de investimento das empresas, orientando a alocação das plantas empresariais na busca pelo menor custo, com altos investimentos em tecnologia, visando economizar e excluir trabalho humano. As corporações engendram força política para enquadrar os estados e governos e conseguir reformas institucionais que reduzam impostos; impor garantias de que o direito privado não será ameaçado pelas formas coletivas de deliberação e pelo voto universal; assegurar o avanço da desregulamentação do sistema financeiro, proteger a transmissão de heranças e a valorização de patrimônios; simplificar as restrições para a apropriação privada da riqueza natural (minério, terra, água, floresta etc.); acalentar a virtude da privatização de empresas estatais e louvar a aquisição e fusão de empresas; proteger o pagamento das dívidas públicas.
O desenvolvimento como resultado da relação entre o Estado e os sistemas produtivos industriais nacionais, motivadores de capacidade manufatureira, que constituem, pelo emprego e os salários, os mercados internos de consumo de massa, perde encanto econômico e político. O Estado regulador da distribuição do produto social, que visa minimizar a desigualdade e gerar coesão social, está em desuso. O comando agora é feito por uma grande concentração do sistema financeiro, pela ampliação da centralização da propriedade e a reorganização da estrutura produtiva.
Esse grande movimento é operado por uma coalizão neoliberal entre os agentes do sistema financeiro, rentistas e fundos de investimento, corporações multinacionais, oligarquias políticas e burocráticas e organismos econômicos internacionais, que manejam novos arranjos produtivos e distributivos. Ao concentrarem a riqueza e mudarem o sistema produtivo, esses agentes fomentam a exclusão, geram e ampliam desigualdades, retiram capacidade institucional da sociedade para promover compromissos coletivos ou criar compensações e contrapartidas, estimulando a regressão do padrão civilizatório até aqui alcançado.
Esse cartel impulsiona uma fantástica riqueza financeira, que se movimenta e submete o planeta à sua lógica de acumulação, segundo a qual o mundo deve estar “livre” das amarras da regulação social e política que impedem a ganância de operar, a força da riqueza de coagir, submeter e, se necessário, guerrear e matar.
Nesse jogo, as instituições são desqualificadas porque impedem a “livre concorrência das forças do mercado” e a “perfeita interação da meritocracia”. As instituições atravancam esse movimento avassalador, porque são produto político do processo civilizatório que identificou que, contra a ganância, a força e a estupidez humana são necessários acordos sociais que afirmem interesses gerais da nação, que promovam a igualdade e a liberdade, por meio de normas e regras (Constituição e Leis), operadas pelo Estado, instância capaz de regular e coordenar as relações sociais, econômicas e políticas. As instituições democráticas tentam, em cada contexto histórico e nacional, limitar e impedir, a partir da perspectiva do interesse geral da sociedade, aquilo que a ambição e a desenfreada busca pelo lucro promovem: a desigualdade, a exacerbação dos conflitos, a submissão de pessoas e povos, a coerção da vontade coletiva e da liberdade.
Depois da crise financeira de 2008, essa coalizão neoliberal construiu uma estratégia para impedir a resposta regulatória proveniente da indignação mundial contra a loucura rentista. Os Estados pagaram a conta, com impostos sobre toda a sociedade, aumentaram as dívidas públicas, que serão pagas por todos, e promoveram amplos cortes de direitos sociais e trabalhistas. A recessão e o desemprego, oriundos da crise e das medidas engendradas de ajuste fiscal, criaram o ambiente favorável para virar o jogo institucional e regulatório.

Reforma trabalhista no mundo
As reestruturações institucionais avançam nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, com destaque para a reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho, com o objetivo de: reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade de alocação da mão de obra, com as mais diversas formas de contrato e ajustes da jornada; reduzir ao máximo a rigidez para demitir e minimizar os custos de demissão, sem acumular passivos trabalhistas; restringir ao limite mínimo as negociações e inibir contratos ou convenções gerais em detrimento de acordos locais realizados com representações laborais controladas; quebrar os sindicatos.
As reformas das instituições dos sistemas de relações de trabalho e da legislação trabalhista foram realizadas por mais de uma centena de países depois da crise internacional. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um estudo (Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium), produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, sobre reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países, promovidas no período de 2008 a 2014. A pesquisa atualiza investigações anteriores, bem como faz comparações com estudos do FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O estudo identifica as crises econômicas e o desemprego como a oportunidade para promover as mudanças institucionais que visam gerar respostas positivas sobre a situação, seja para aumentar a oferta de postos de trabalho, reduzir o desocupação ou aumentar a competitividade das economias.
Nos países desenvolvidos, predominam iniciativas para reformar a legislação do mercado de trabalho, no que se refere aos contratos permanentes. Já nos países em desenvolvimento, a ênfase foi maior em reformas das instituições da negociação coletiva. As duas dimensões estão presentes, com maior ou menor intensidade, em grande parte dos projetos de reforma implementados. Outra observação geral indica que a maioria das remodelagens diminuiu o nível de regulamentação existente e teve caráter definitivo. Foram analisadas 642 mudanças nos sistemas laborais nos 110 países. Em 55% dos casos, o objetivo foi diminuir a proteção ao emprego, o que atingiu toda a população, e tiveram caráter permanente, produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho no mundo.
As altas e crescentes taxas de desemprego formam o contexto que criou o ambiente para catalisar essas iniciativas e disputar a opinião da sociedade sobre elas. Entretanto, os resultados encontrados no estudo não indicam que as reformas no mercado de trabalho tenham gerado efeitos ou promovido mudanças na situação do desemprego no curto prazo.
Vale prestar muita atenção ao fato de o estudo indicar que mudanças como essas na legislação trabalhista, realizadas em período de crise e que visam reduzir a proteção, aumentam a taxa de desemprego no curto prazo, ao diminuir as restrições para a demissão de trabalhadores em empregos seguros. Também não se observou nenhum efeito estatístico relevante de curto prazo quando essas mudanças foram implementadas em períodos de estabilidade ou expansão da atividade econômica. No longo prazo, os efeitos são positivos sobre a ocupação, devido à capacidade de multiplicar empregos parciais e temporários.
Do total de reformas, destacam-se aquelas que diminuem os níveis de regulação: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.

Reforma trabalhista no Brasil
No primeiro semestre deste ano, em mais um lance institucional ousado, Legislativo e Executivo transformaram profundamente a legislação trabalhista brasileira e o sistema de relações de trabalho. Em síntese, a lei deixou de ser um sistema protetor dos trabalhadores para passar a proteger as empresas.
A reforma alterou a hierarquia normativa em que Constituição, legislação, convenções coletivas e acordos eram pisos progressivos de direito. A partir de agora, a Constituição passa a ser um teto, a legislação é uma referência de direitos que poderão ser reduzidos pelas convenções; os acordos poderão diminuir garantias previstas em leis e convenções e o indivíduo poderá abrir mão de muito do que foi conquistado, coletivamente, a duras penas. Os trabalhadores e os sindicatos “ganharam o livre direito” para reduzir salários e garantias, flexibilizar contratos, ampliar ou reduzir jornada, quitar definitivamente, na presença coercitiva do empregador, os direitos. O acesso dos trabalhadores à justiça foi limitado. Já as empresas terão inúmeros instrumentos que darão a elas máxima garantia, proteção e liberdade jurídica para ajustar o custo do trabalho. 
São parte das mudanças vários novos contratos (tempo parcial, trabalho temporário, intermitente, autônomo exclusivo, terceirizado sem limite, teletrabalho), que permitem ajustar o volume de trabalho à produção no dia, na semana, no mês, ao longo do ano. Esses contratos podem ter ampla flexibilização em termos de jornada (duração, intervalos, férias, banco de horas etc.). As definições do que é salário são alteradas e os valores podem ser reduzidos, assim como outras obrigações legais. A demissão é facilitada, inclusive a coletiva, com diversas formas de quitação definitiva de débitos trabalhistas.
O poder de negociação dos sindicatos é fragilizado com o “novo poder” de reduzir direitos, a interposição de comissões de representação dos trabalhadores, nas quais é proibida a participação sindical, ou com o empoderamento do indivíduo para negociar diretamente. Essas medidas quebram o papel sindical de escudo coletivo e protetor. Como já ocorre em outros países que adotam mecanismos semelhantes, os trabalhadores serão incentivados e estimulados, por meio de inúmeras práticas antissindicais e de submissão patronal, a não apoiar ou financiar os sindicatos. Ficarão submetidos ao poder das empresas, pressionados para aceitar acordos espúrios diante do medo de perder o emprego.
A Justiça do Trabalho, que agora será paga, terá as tarefas reduzidas à análise formal dos pleitos. A lei criou uma tabela que precifica o ônus da empresa até, no máximo, 50 vezes o salário do trabalhador!
São mais de 300 alterações na legislação trabalhista, que operam um verdadeiro ataque aos trabalhadores.

            Espanha
            A Espanha enfrenta, há décadas, graves problemas econômicos, que resultaram em um problema crônico de desemprego. As taxas para a população em geral já são altas, acima de 20%, mas, para os jovens, são elevadíssimas – superiores a 40%.
            A reforma trabalhista espanhola foi aprovada em 2012, quando a economia do país enfrentava a segunda recessão em 10 anos. Seguindo o mesmo receituário aplicado para flexibilizar o mercado de trabalho, a reforma tratou, de um lado, de diminuir a criação de postos de trabalho temporário (elevou o custo de indenização dos temporários de 10 para 12 dias por ano trabalhado), e, de outro, desestimulou as demissões em momento de crise, mas facilitou os procedimentos para realizá-las, ao diminuir o custo das dispensas (indenização por ano trabalhado caiu de 45 dias para 33). Também abriu a possibilidade de flexibilizar para encurtar a jornada e o salário e alterou o sistema de relações de trabalho, limitando o poder das negociações gerais ou setoriais. Em uma economia de câmbio fixo (Euro), a reestruturação buscou ajustar o custo do trabalho com desvalorização salarial, para tentar recuperar a competitividade.
            Os resultados logo apareceram. O desemprego passou de 21% para 27%, motivado pela redução do custo de demissão dos trabalhadores com contratos de prazo indeterminado. Baixou depois para 18%, mas por causa do surgimento de empregos predominantemente precários. A flexibilidade acelerou a criação de postos de trabalho no momento da retomada econômica, mas eram ocupações temporárias, com prazo reduzido ou de tempo parcial.
            A reforma objetivou ampliar o protagonismo do empregador para regular custos laborais e salários. Houve queda dos rendimentos do trabalho por causa da aplicação dos novos mecanismos e da rotatividade, pois os contratados entram ganhando menos do que os demitidos.
            A economia espanhola enfrenta o desafio decorrente dessa política: arrocho salarial e precarização dos empregos reduzem a massa salarial, geram insegurança e deprimem a capacidade de consumo do mercado interno, ou seja, enfraquecem a demanda, geram pobreza e contribuem para o aumento da desigualdade.
            A Espanha “inspirou” o projeto de reforma laboral brasileiro. Desde os anos 1980, foram mais de 50 mudanças nas instituições e na legislação laboral, sempre buscando saídas para a crise e o emprego. O problema continua, com o desemprego crônico e um grande número de trabalhadores temporários ou jornada parcial.

            México
            O mercado de trabalho mexicano também vai mal, com uma economia que se desestrutura, integrada e subordinada aos Estados Unidos. A transformação do parque produtivo precarizou os empregos e aumentou a informalidade. Atualmente, quase 60% dos trabalhadores estão na informalidade. A rotatividade com flexibilidade reduziu os salários e mais de 80% da população ocupada recebe menos de US$ 5 por dia – equivalente a US$ 150 por mês.
            Em 2012, o México implantou uma reforma trabalhista que não entregou o que prometeu: criar empregos e estimular a economia. Neste ano, em fevereiro, novas mudanças entraram em vigor: retirada do direito de indenização para trabalhadores com menos de seis meses de contrato laboral; liberação da terceirização, situação em que os calotes sobre os trabalhadores se multiplicam; salários cortados nas greves e regras mais rígidas para servidores públicos; jornadas de trabalho flexíveis e pagas pelas horas efetivamente trabalhadas (aqui denominamos de contrato intermitente); reforma na Justiça do Trabalho e sindical.

            França
            A França reabre o debate e o governo recém-eleito encaminha a proposta de reforma trabalhista com os mesmos eixos observados nos demais países. Flexibilização para as empresas negociarem diretamente com os trabalhadores ou um representante dos empregados (sem caráter sindical); limite para a indenização por demissão sem justa causa; redução das possibilidades de processos trabalhistas; apoio a programas de demissões voluntárias sem assistência sindical; mais flexibilidade para as organizações negociarem salários e jornada de trabalho diretamente com os empregados, com a retirada desse poder dos sindicatos.


            Impactos e o futuro
            As reformas trabalhistas no mundo respondem aos objetivos da coalizão neoliberal, ao promoverem amplo movimento de ruptura de diálogo social entre capital e trabalho na formatação de pactos sociais distributivistas em economias capitalistas. Esses pactos engendram arranjos produtivos nacionais, integrados à economia internacional, com acordos sociais e trabalhistas de políticas públicas universais de saúde, educação e proteção previdenciária, políticas ativas de emprego, com instituições reguladoras em sistemas de relações trabalhistas, nos quais sindicatos acordam com empregadores as regras para a produção e distribuição de resultados, em termos de salários e condições de trabalho. Esse compromisso, base inclusive da democracia moderna, tem sido contínua e progressivamente rompido, desmobilizado e desqualificado.
            No plano ideológico, o individualismo se sobrepõe aos interesses coletivos, transformando cada pessoa “livre” em unidade de consumo, arrochada pelo salário, mas libertada pelo crédito. A meritocracia amplia a competição e quebra os laços de solidariedade entre os trabalhadores e os vínculos para a sustentação dos sindicatos como escudo protetor.
            As transformações econômicas e dos sistemas produtivos, com tecnologia e comunicação criando novos padrões e paradigmas, transformam a temporalidade dos processos e das decisões. A agressiva competição entre empresas e nações e a demanda pelo máximo retorno ao investidor, sem compromisso com a produção e a questão distributiva, pressionam o sistema produtivo, na busca pelo menor custo, à máxima flexibilidade para alocar e desmobilizar o trabalho na produção, ajustar salários, limitar custos diretos e indiretos, reduzir passivos trabalhistas e aumentar a segurança jurídica das formas flexíveis de contratos laborais.
            As reformas trabalhistas, na maior parte dos países, estão entregando a flexibilidade propugnada. A crise econômica e o desemprego deram assento à iniciativa e reduziram a capacidade de resistência.
            Os mercados de trabalho ganham cada vez mais uma dinâmica dual, com empregos seguros (cada vez menos) e empregos inseguros (cada vez mais e com diversas formas de se materializar). As ocupações inseguras, garantidas pelas legislações, expandem o emprego temporário, de jornada parcial, intermitente, autônomo ou por conta própria, terceirizado ou promovido por agência de locação de mão de obra.
            A tecnologia ocupa cada vez mais os espaços do trabalho humano e o acúmulo de capital físico e produtivo expande a produtividade. Nesse contexto, há que se propugnar movimentos estruturais de redução da jornada, considerando o papel do trabalho na estruturação das sociedades e dos salários na composição dos mercados internos de consumo para a formação da demanda. O que se observa, em muitos casos, é que, para sustentar a renda, ocorre o aumento da jornada de trabalho.
            A relação entre empregos seguros e trabalhos temporários poderia existir de forma positiva, se houvesse alta mobilidade entre essas formas de ocupação, se a transição dos trabalhadores temporários para ocupações estáveis fosse bem-sucedida, quando desejada. Entretanto, o trabalho temporário é, predominantemente, imposição para uma condição insegura, instável e precária, cuja transição ou motricidade ocorre para a condição de desemprego.
            As diferentes formas de trabalho parcial e temporário, precário e instável fazem parte das causas do baixo crescimento da produtividade, pois há o desinvestimento em formação e faltam experiência e continuidade laboral para promover avanços no processo produtivo.
            Observa-se ampla substituição de empregos estáveis por ocupações temporárias e de tempo parcial. A taxa de desemprego diminui com a precarização da qualidade dos postos de trabalho.
            A insegurança no emprego, a situação de desemprego e as formas precárias de ocupação geram novas doenças ocupacionais, com estresse, ansiedade, e interferem não somente na vida no trabalho, mas em outras dimensões pessoais e familiares.
            A população jovem é a mais atingida por esse conjunto de reformas e pela debilidade dos mercados de trabalho para gerar empregos seguros. De um lado, a juventude é estimulada pelo individualismo à competição, o que cria novos e desconhecidos comportamentos sociais de isolamento. De outro, o fosso que separa gerações se amplia, os jovens passam a ter uma perspectiva de vida de pior qualidade em relação ao vivido pelos pais, apesar de terem investido mais em formação. Nesse caso, a contradição é maior: o investimento em formação conduz a empregos precários e com baixíssima remuneração. Observa-se ainda tendência geral de aumento do emprego temporário entre os jovens.
            As reformas restringem o papel de representação coletiva de interesse dos sindicatos para regular os conflitos reais da relação capital e trabalho. O resultado pode ser uma sociedade submissa, devido à coerção da empresa, à força de polícia do Estado, ao medo do desemprego, a uma desigualdade que desvincula as pessoas de compromissos sociais etc. Outras possíveis consequências são o aumento dos conflitos trabalhistas e sociais e diferentes formas de micro e macro rupturas.
            Nesse mesmo tom de flexibilização, são promovidas revisões das políticas públicas de emprego, trabalho e renda. Formação profissional, intermediação de mão de obra, seguro-desemprego, apoio ao empreendedorismo, por aqui, são fragilizados por causa da crise fiscal dos estados e a pressão pela redução de impostos.
            A tensão também é permanente e forte sobre os sistemas de seguridade e previdência social, com o objetivo de reestruturá-los, a fim de restringir direitos,  o acesso da população e aumentar as contribuições.
            Há uma lógica intrínseca em todas essas medidas que é a de deslocar a proteção ao trabalhador para a segurança jurídica das empresas, seja para flexibilizar contrato e jornada ou reduzir salários e custos trabalhistas ou ainda para evitar e controlar passivos. Trata-se de uma agenda claramente regressiva do ponto de vista do direito, da distribuição e formação da demanda pelos salários.
            Pesquisadores de todo o mundo preocupam-se com os impactos das inovações tecnológicas sobre o emprego, afirmando que metade dos postos de trabalho poderá ser extinta nas próximas décadas. Essas questões colocam a necessidade de pensar novos paradigmas em termos de jornada de trabalho, sistemas universais de proteção laboral e de sustentação ou complementação de renda, de previdência, de uso do tempo livre, entre outras inúmeras questões.
            Evidentemente, a questão do emprego e dos salários está relacionada à dinâmica econômica e aos projetos de desenvolvimento e da integração de cada país à economia global. Será necessário imaginar novas concepções de desenvolvimento econômico sustentadas por arranjos institucionais que combinem a liberdade e a igualdade em sociedade democráticas.
            A questão da recuperação e preservação do meio ambiente pode ser um elemento estruturante da atividade criativa do trabalho do futuro, com a necessidade de recuperar as condições de vida do planeta.
            Uma sociedade que ganha tempo de vida e envelhece vai requerer cuidados pessoais e familiares, que podem gerar novas ocupações. O cuidado com o outro e o ambiente deve abrir possibilidades para ressignificar a vida no trabalho e em sociedade.
            Por fim, é preciso falar dos sindicatos, esse instrumento de luta criado pela solidariedade dos trabalhadores, que constituem um escudo coletivo de proteção da liberdade individual. As profundas transformações no sistema produtivo e no mundo do trabalho exigem, desde já, atenção também para a organização capaz de recolocar a solidariedade na base da unidade dos trabalhadores, criar formas organizativas para novos contextos de trabalho, de uso do tempo, de como as pessoas se colocam nas e para as relações sociais no cotidiano. As formas precárias de trabalho devem levar a imaginar modos mais agregados de representação, capazes de lutar para recriar instrumentos de regulação dos contratos, jornadas, salários e condições de trabalho. Será preciso desenhar processos de mobilização e manifestação de interesse, recuperar a formação política que valoriza e favorece a sociabilidade, a justiça, a igualdade, a tolerância. Será necessário ressignificar e recriar a luta, assim como construir alianças com os movimentos sociais e populares.
A história das conquistas sociais e políticas, impulsionadas pela utopia da justiça, da liberdade e da igualdade, indica que não há outra alternativa a não ser lutar, depois, lutar e, por fim, lutar!


Referências bibliográficas

ADASCALITEI, Dragos; MORANO, Clemente Pignatti. Drivers and effects of labour market reforms: evidence from a novel policy compendiumIZA Journal of Labor Policy, Bonn, 11 ago. 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s40173-016-0071-z>. Acesso em: 15 set. 2017.

EICHHORST, Werner; MARX, Paul; WEHNER, Caroline. Labor market reforms in Europe: towards more flexicure labor markets?. In: IZA/ILO CONFERENCE ON "ASSESSING LABOR MARKETS REFORMS", 2016, Geneva.Papers...Disponível em: <http://ftp.iza.org/dp9863.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017.


[1]Diretor técnico do DIEESE.

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