O futuro do sindicalismo e o sindicalismo do futuro

O futuro do sindicalismo e o sindicalismo do futuro

Clemente Ganz Lúcio[1]
            Aumenta entre dirigentes, militantes e ativistas sindicais a preocupação sobre o futuro do sindicalismo. Há dúvidas que chegam a apontar para a inexistência desse futuro ou percepções de que o sindicalismo acabou ou está acabando. É um sentimento racionalizado que deriva, em parte, da interpretação dos resultados do ataque sistemático, crescente e agressivo que os sindicatos e os dirigentes vêm sofrendo.
            As razões para tudo isso estão relacionadas às transformações do sistema produtivo e do mundo do trabalho, mas também ao individualismo e à meritocracia, que desconsidera a desigualdade de condições, e se colocam como valores gerais. Os sindicatos, como outras instituições, estão sob ataque pesado, ataques cujos propósitos nem sempre são compreendidos. O quadro geral é de dificuldade extrema para o sindicalismo e o contexto é de incerteza. Não à toa, a situação tem gerado ansiedade, desânimo e certo desespero.
            Em períodos como este, no entanto, é preciso ter calma e tenacidade. A calma é condição necessária para mobilizar e produzir conhecimento. É necessário realizar conversas que relatem e interpretem cada fato, ação, ataque, para que se possa compreender o movimento histórico em curso e avaliá-lo, olhando para a frente. Essa leitura do real deve conduzir à formulação de estratégias inovadoras de atuação e de organização, respostas às mudanças em curso. Nas conversas, aqui e ali, afirma-se que é hora de repensar profundamente o movimento sindical, que o momento é de avançar na reorganização, orientada para a reinvenção da vida sindical. O grande desafio é dar conteúdo a esta síntese, identificar as estratégias que construirão o novo que se quer e que é necessário e, principalmente, desenhar as transições. É nelas, nas transições, que serão lançadas as sementes do novo sindicalismo. 
            A tenacidade, por sua vez, é a capacidade para resistir e de não partir, combinada com a determinação de promover renovação, reorganização e reinvenção.
            Os sindicatos são uma força social unida em um contingente de dirigentes, militantes e ativistas. Essas pessoas formam um ativo cognitivo e cultural que, se adequadamente mobilizado e motivado, se constituirá em força social de alta capacidade transformadora. Os sindicatos detêm um ativo econômico-institucional de alto valor agregado para a sociedade, materializado nos direitos reunidos em convenções e acordos coletivos, que protegem os trabalhadores. Os sindicatos são instrumentos de solução de conflito que incrementam a produtividade e fortalecem a democracia. Possuem ativos patrimoniais capazes de lastrear um audacioso projeto de mudança e de renovação. Portanto, há (sim!) ativos para realizar uma transformação histórica.
            Para isso, os sindicatos terão que reaprender a olhar e ver, de acordo com a seguinte distinção: olhar é uma atitude, ver é trabalho. Nem todos que olham são capazes de ver. O olhar exige atenção e um posicionamento. O ver é fruto do trabalho intelectual, de reflexão e de formulação, para captar a situação, compreender o contexto, interpretar o movimento da história e suas tendências. Olhar e ver exigem trabalho e requerem diálogo entre pares e adversários.
            Os sindicatos têm o desafio e a responsabilidade de dar prevalência ao sentido original do sindicalismo, aquele movimento por meio do qual os trabalhadores se associam para constituir nova força capaz de promover e enfrentar a disputa distributiva com o patrão. Nesse movimento, tecem os fundamentos da solidariedade de classe pela identidade de interesses, formulam políticas de atuação, formam e projetam lideranças. Utopias são imaginadas e compartilhadas. O destino do sindicalismo resultará, em parte, da capacidade que os sindicatos terão para dar prevalência à dimensão essencial do movimento como sujeito coletivo capaz de interpretar o presente em transformação e de desenhar as estratégias para as lutas e agendas futuras. 
            O futuro do sindicato depende de o sindicalismo tomar as rédeas do próprio futuro.


[1]Sociólogo, diretor técnico do DIEESE.

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