A pandemia coloca na UTI o emprego e da proteção do trabalho

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Clemente Ganz Lúcio[1]

 

Até o início deste ano a rastejante economia brasileira derrapava em um crescimento vegetativo de 1%. Agora, com o grave problema sanitário e a insana gestão federal desse problema, além das milhares de mortes evitáveis, o país e o mundo enfrentam a paralização da atividade produtiva que promove rapidamente uma recessão profunda. Duvidosa é a dinâmica econômica futura, as incertezas e a falta de previsibilidade são enormes, mas todos sabemos que serão tempos extremamente difíceis.

Desemprego elevado e de longa duração, a precarização ampliada, a informalidade crescente, o torturante desalento, a insegurança laboral e o arrocho salarial estavam incorporados ao cotidiano dos/as trabalhadores/as antes da pandemia.

Nos últimos seis meses a dramaticidade desse quadro geral do mundo do trabalho se tornou mais severa e o futuro ainda mais incerto.

A população em idade de trabalhar no Brasil, pessoas com 14 anos ou mais, é de cerca de 170 milhões, sendo que a força de trabalho ativa era de 106 milhões de pessoas, das quais 92,4 milhões estavam ocupadas e 12,6 milhões desempregadas (dados médios de 2019 segundo o IBGE).

Depois de uma década (2004 – 2014) de crescimento econômico e de resistência à crise internacional (2008), a desocupação foi reduzida para patamares médios de 6,8% em 2014 (6,2% em dezembro de 2014), com o aumento continuado do emprego protegido, diminuição da informalidade e crescimento dos salários. A crise econômica transformada em recessão reverte essa dinâmica e a taxa anual média de desemprego cresce desde 2014 e o pico de 12,7% em 2017 e a maior taxa mensal em março daquele ano, 13,7%. Em dois anos o desemprego dobra, eliminando os postos de trabalho criados durante uma década e atinge 13 milhões de trabalhadores.

Os empregados são 62,6 milhões (67%), os conta própria 24,2 milhões (26%), os empregadores 4,4 milhões (4,7%) e o trabalhador familiar auxiliar 2,1 milhões (2,3%). Cerca de 41% da população ocupada estavam na informalidade laboral.

O IBGE estimou que a força de trabalho subutilizada (desocupados, desalentados, subocupados por insuficiência de horas e força de trabalho potencial) era de 27,6 milhões em 2019, aumento de 79%.

A pandemia paralisa, interrompe, suspende ou reduz a atividade produtiva com severos impactos sobre essa situação que já era muito difícil.

O IBGE, através da Pesquisa PNAD COVID-19. coloca uma lente metodológica especial para olhar o impacto da crise sanitária sobre o emprego e as ocupações. No início de julho a população ocupada estava estimada em 81,8 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 10 milhões deixam de ter uma ocupação.

Cerca de 64 milhões estavam trabalhando no início de maio e 16,6 milhões estavam afastadas do trabalho em decorrência do isolamento social, ou seja, cerca de 20% dos ocupados foram afastados pelo isolamento social. Entre o início de maio e o começo de julho o contingente afastado diminuiu 8,3 segundo as estimativas, resultado das políticas de flexibilização do isolamento social.

São quase 27 milhões aqueles que perderam os postos de trabalho (10) ou foram afastados do trabalho (16,6) entre março e abril, ou seja, perto de 30% da força de trabalho! Fenômeno inédito na velocidade e intensidade.

O isolamento social acelerou e ampliou o uso do trabalho remoto ou teletrabalho, atingindo em poucos dias cerca de 8,6 milhões de pessoas que estavam trabalhando (13,4% dos ocupados no início de maio). Esse contingente permanece estável, o qe signficica que o fim do isolamento não está alterando essa nova situação ocpupacional.

   A taxa de desemprego permanece na casa dos 12 a 13%. Parece contraditório? Como o desemprego não subiu? Parte da população foi para o isolamento, sem emprego e em condição para realizar a procura de um posto de trabalho. Na pesquisa, foi para a inatividade.

Mas quando se pergunta para essas pessoas se gostariam de trabalhar, cerca de 29 milhões afirmam positivamente. Desse contingente, cerca de 19 milhões afirmam que não procuraram por causa do isolamento ou porque não havia posto de trabalho. A soma entre desempregados (12 milhões) e este contingente, pode-se considerar uma população entre 30 e 40 milhões de pessoas que precisam ou gostariam de ter um posto de trabalho. Na medida que o isolamento for flexibilizado e a procura por um posto de trabalho se tornar efetiva, a taxa de desemprego aumentará sempre que a oferta de posto de trabalho vier em menor velocidade.

Esse é o quadro dramático, de uma economia rastejante que gerava postos de trabalho de baixa qualidade, precários e com alta informalidade, antes da crise sanitária. A inéditas características da recessão presente e os impactos da crise sanitária sobre a dinâmica econômica colocam cerca de 1/3 da força de trabalho na desocupação. Há altíssimo risco de que a crise sanitária deixe a sequela econômica de dominância de alto desemprego de longuíssima duração e predomínio de postos de trabalho de inseguros, baixa qualidade, sem proteção social. O emprego de qualidade deve estar no centro do pensamento estratégico para desenhar os caminhos de saída dessa nova e da velha crise econômica.

 

 

 



[1] Sociólogo, foi diretor técnico do DIEESE de 2004 a 2019.

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