A reforma da previdência e a intervenção sindical no debate legislativo


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Clemente Ganz Lúcio[1]

 

            A PEC 06/2019, que trata da reforma da previdência, recebeu reação contrária muito forte da sociedade, em especial dos movimentos sindical e social, que repudiam as inúmeras medidas radicais que transformam ou destroem a seguridade e o sistema previdenciário brasileiro. A economia de R$ 4,5 trilhões, prometida pelos idealizadores da reforma, será feita por meio de brutal arrocho na proteção social.

            A proposta do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia Paulo Guedes está em análise na Comissão Especial na Câmara dos Deputados. O relator, deputado Samuel Moreira, apresentou projeto substitutivo com mudanças e o texto será apreciado na Comissão e no Plenário da Câmara até 17 de julho. Os trabalhos serão retomados após recesso parlamentar.

            Entre as mudanças propostas no substitutivo destacam-se, entre outras: exclusão do regime de capitalização; revisão de aspectos que eram desconstitucionalizados e remetidos para lei ordinária (que, nesse caso, poderiam ser alterados por medida provisória); manutenção das regras atuais para o BPC, para o tempo de contribuição das mulheres, para as regras relacionadas às trabalhadores rurais, da diferença de idade para professores e professoras; regras de transição um pouco mais suaves; exclusão do item que indicava aumento automático da idade mínima para aposentadoria; continuidade do piso previdenciário vinculado ao salário mínimo, entre outros aspectos.

            A mobilização social e a luta sindical foram fundamentais para promover essas mudanças, mas a guerra contra a reforma está longe de terminar. Além de o substitutivo ainda manter vários pontos negativos, o processo legislativo tem previstas várias outras etapas: na Câmara dos Deputados, no Senado, na sanção presidencial e em diversos desdobramentos, além dos questionamentos que poderão ser feitos mais tarde na Justiça.

            Na semana passada, as Centrais Sindicais estiveram reunidas com lideranças e parlamentares de muitos partidos, debatendo o conteúdo da reforma e o processo legislativo. As entidades apresentaram 15 pontos que consideram muito críticos e que permaneceram no substitutivo apresentado pelo relator (versão ainda sem dois votos complementares apresentados por ele nesta semana e que alteram alguns aspectos destacados nos itens abaixo) e que são:

1)    Desconstitucionalização dos parâmetros previdenciários. A legislação ordinária definirá os parâmetros válidos para o Regime Geral e para o Regime dos Servidores, possibilitando que sejam alterados até mesmo por medidas provisórias. Isso poderá criar uma situação de insegurança para os segurados atuais e futuros e gerar desigualdades entre os regimes de servidores da União, dos estados e dos municípios.

 

2)    Privatização dos benefícios não-programáveis em geral (maternidade, acidente etc.), o que hoje está limitado ao seguro acidente de trabalho. 

 

3)    Privatização dos Regimes de Previdência Complementar dos servidores públicos. Atualmente, esses regimes devem ser instituídos por entidades fechadas de previdência, de caráter público. Na proposta, os planos de previdência complementar poderão ser contratados com entidades abertas e de natureza privada.

 

4)    Segregação das contas da Seguridade Social. Cada área da Seguridade deverá ter contas de receita e despesa identificadas. Isso é o fim do propósito de integração das ações de saúde, previdência e assistência como Sistema de Seguridade. Riscos para financiamento e para os serviços universais.

 

5)    Recursos do PIS/Pasep para o BNDES. Fim do repasse de 28% da arrecadação do PIS/Pasep para o BNDES (esse item foi excluído na nova versão do substitutivo).

 

6)    Ausência de contribuição dos mais ricos. A PEC e o substitutivo nada exigem dos efetivamente ricos do país. A conta do ajuste recai quase totalmente sobre trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos.

 

7)    Fim da aposentadoria por tempo de contribuição, impondo idade mínima para todos. Dessa forma, não reconhece que grande número de trabalhadores urbanos e rurais inicia a vida laboral muito cedo, contribui por longo período de tempo e, ao atingir certa idade, já perdeu a condição física de exercer a atividade, além de não ser admitida em empregos formais. Com isso, apesar de ter contribuído, não consegue se aposentar. É necessário dar reconhecimento ao tempo de contribuição e aos casos em que a aposentadoria antecipada em relação à idade mínima seja justificada.

 

8)    Elevação da idade mínima de aposentadoria das mulheres, penalizadas em dois anos (de 60 para 62 anos), apesar da dupla ou tripla jornada, da discriminação que encontram no mercado de trabalho e das dificuldades para o equilíbrio entre vida familiar e vida laboral. A idade mínima de aposentadoria das professoras pelo RGPS passa de 55 anos para 57 anos. 

 

9)    Regra de cálculo do valor da aposentadoria arrocha valor do benefício, porque parte de 60% do salário de benefício (média arrochada) para quem completou o mínimo de 20 anos de contribuição e acrescenta 2% a cada ano adicional de contribuição até o máximo de 100% do salário de benefício. O valor dos benefícios será reduzido em relação às regras atuais (que garantem mínimo de 85%), passando a exigir 40 anos de contribuição para que se atinja a chamada aposentadoria “integral” (100% da média). 

 

10) Cálculo da média sem descarte dos menores salários de contribuição. Ao manter a regra de cálculo que considera a média de 100% das remunerações ou dos salários de contribuição, o valor do benefício é rebaixado em relação ao procedimento atual, distanciando ainda mais o valor do benefício dos rendimentos que o segurado aufere quando está próximo de se aposentar.

 

11) Tempo mínimo de 20 anos de contribuição. Ampliação dos atuais 15 anos para 20 anos para trabalhadores urbanos e rurais. Diante da situação de alta informalidade, de desemprego elevado e de longa duração, de alta rotatividade e de baixos rendimentos, a elevação desse requisito representa fator de exclusão da proteção previdenciária dos setores mais vulneráveis da sociedade. 

 

12) Regra de transição restrita tem alcance limitado. Parcela muito pequena dos atuais segurados do Regime Geral e dos Regimes dos Servidores terá alguma vantagem se optar pela regra de transição em comparação com a regra geral de aposentadoria. A transição deveria ser ampla, reconhecendo o tempo de contribuição de cada segurado durante o tempo de vigência das regras atuais. O mesmo princípio deve ser levado em conta para o valor dos benefícios de aposentadoria concedidos sob as regras de transição. 

 

13) Pensões com valores reduzidos por meio do sistema de cotas e a não vinculação do benefício de pensão por morte ao salário mínimo, com exceções (quando for o único rendimento, dependentes com deficiência grave). Com isso, haverá redução no valor do benefício, apesar das contribuições prévias dos segurados. Além disso, a restrição ao acúmulo de benefícios tenderá a cortar parte das pensões, mesmo abaixo do teto de benefícios do RGPS. 

 

14) Abono salarial com valor menor do que um salário mínimo. O que torna possível que o abono salarial seja pago com valor inferior ao salário mínimo. 

 

15) Aposentadorias especiais por agentes nocivos e risco de vida. Os requisitos de idade e tempo de atividade sob condições nocivas praticamente inviabilizam a obtenção desse benefício por parte do trabalhador. Além disso, ao suprimir o risco à integridade física como motivo para a aposentadoria especial, há tratamento não isonômico entre policiais e outros trabalhadores que, em virtude da ocupação, expõem-se a risco.



[1] Sociólogo, diretor técnico do DIEESE.

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