As estatísticas confirmam: o emprego inseguro avança no primeiro ano de vigência da reforma trabalhista

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Clemente Ganz Lúcio[1]

 

O emprego inseguro e instável foi legalizado no Brasil por uma profunda reforma laboral (Lei 13.467/17). Passado o primeiro ano de entrada em vigor da nova Lei, os resultados começam a aparecer.

O vínculo laboral regulado pelo contrato de trabalho intermitente é uma novidade que, segundo os registros administrativos do CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Ministério da Economia, representou cerca de 0,4% dos novos vínculos estabelecidos a partir de novembro/17 até janeiro/19 e cerca de 0,1% dos desligamentos ocorridos no mesmo período. Entretanto, cabe destacar que representou 27% do saldo total de vínculos entre os admitidos menos os demitidos no período, indicador que pode apontar para uma tendência de aumento e permanência estrutural desse tipo de vínculo no mercado labora. Ainda se destaca que na construção civil a participação dos vínculos de trabalho intermitente é mais intensa e já representou 1,3% dos novos vínculos no período, mais do que o dobro da participação observada nos demais setores. Diversos tipos de ocupação intermitente com destaque para os assistentes, serventes, auxiliares, faxineiros, atendentes, recepcionistas e operadores de telemarketing, entre outros.

Outro tipo de vínculo estimulado pela nova Lei é o contrato em jornada parcial que também representou cerca de 0,4% das contratações observadas no período (nov/17 - jan/19) e cerca de 0,3% das demissões, sendo ainda responsável por 9% do saldo total entre admitidos e demitidos no período. Vendedores, auxiliares e assistentes administrativos, pessoal de manutenção, caixas e bilheteiros, faxineiros, garçons, atendentes de lojas e lanchonetes, recepcionistas e professores são as ocupações que se destacam nesse tipo de contrato.

Somados, os contratos de trabalho intermitente e de jornada parcial foram responsáveis por 36%, portanto, mais de 1/3, do saldo dos empregos gerados com carteira de trabalho assinada no período.

Outra novidade da legislação, a demissão pode ser feita por meio de acordo entre empregado e empregador. Cerca de 1% dos 18,6 milhões de vínculos rompidos em no período foram realizados usando esse novo instrumento, mecanismo que apresenta uma curva de crescimento ao longo do período analisado e indica tendência de continuidade de aumento. Os desligamentos por acordo somaram 6 mil em dezembro de 2017 e atingiram 17,7 mil em janeiro de 2019, cerca de ¾ realizados nos setores de comércio e serviços.

O trabalho temporário é outro tipo de contrato flexível e já representa aproximadamente 12% da força de trabalho ocupada, segundo a PNAD - IBGE.

Essas novas formas de contrato flexível teriam a virtude de gerar novos empregos segundo os promotores da reforma. Contudo, um ano depois a taxa de desemprego continua superior a 12%, com mais de 13 milhões de pessoas desocupadas. A leve queda da taxa de desemprego observada em 2018 ocorreu porque a ocupação por conta própria cresceu 2,9% entre 2017/18 e já representa ¼ da força de trabalho no país, enquanto os empregados (assalariados e servidores públicos) cresceram 0,7% no mesmo período e representam 2/3 da força de trabalho. O assalariamento com carteira de trabalho assinada vem caindo desde 2014 (queda de -10%) e continuou em queda de -1,2% em 2018. De outro lado, o assalariamento sem carteira de trabalho assinada cresceu 7,8% (14/18), sendo 4,5% o aumento observado entre 2017/18. Cerca de ¼ dos assalariados não tem registro em carteira, participação que vem crescendo desde 2015. Já o emprego doméstico voltou a crescer com o aumentando do contingente sem registro em carteira (71% dos ocupados). Diminuiu o contingente que contribui para a previdência social  que hoje representa 63% da população ocupada.

O IBGE estima ainda em cerca de 27,4 milhões o contingente da força de trabalho subutilizada. Os desempregados totalizam 12,8 milhões, com leve queda de 2017 para 2018 (menos 400 mil), mas novo aumento no início de 2019; Os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas são 6,6 milhões, aumento de cerca de 670 mil no último ano; a força de trabalho potencial que não está no mercado de trabalho é de 7,9 milhões, crescendo 630 mil em 2018; os desalentados totalizam 4,7 milhões, contingente que aumentou em 530 mil em 2018. Esses dados revelam que a força de trabalho subutilizada aumentou 3,4% entre 2017 e 2018, sendo 13,4% o aumento do desalento e 11,1% o aumento da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas.

Em síntese: com a economia andando de lado, com desemprego e subutilização da força de trabalho extremamente altos, o primeiro ano da “modernização trabalhista” promoveu a ampliação das formas flexíveis de contratos e de jornadas de trabalho. Flexíveis aqui é sinônimo de jornada parcial, direitos diminuídos ou suprimidos, salário baixos ou reduzidos. Assim, no primeiro ano, a reforma cria um lastro para que o emprego inseguro ocupe lentamente o lugar do emprego seguro.

Olhando o futuro, talvez, quando o país voltar a crescer economicamente, essas novas formas inseguras e precárias aumentem mais intensamente e passem a ter maior participação no leque ocupacional. Neste caso, essas novas formas que legalizarão a precarização sejam indutoras de novos ciclos de redução da demanda interna pelo arrocho da capacidade de consumo das famílias, como já ocorre em outros países que trilharam esse caminho, o que abortará o crescimento. Talvez, nesse futuro, não recebamos mais as péssimas notícias de recorrentes revisões que reduzem as expectativas de crescimento econômico, como essas que recebemos nas últimas semanas. No futuro, talvez, não tenhamos nem mais a utopia do crescimento econômico e nem de desenvolvimento social. Mas essa possibilidade de futuro pode ser transformada.



[1]Diretor técnico do DIEESE.

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