Estúpida é a desigualdade

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Clemente Ganz Lúcio[1]

 

É comum tratar a desigualdade como um problema da pobreza e dos pobres, afinal são eles que vivem o inferno das causas e consequências. Mas, de fato, a desigualdade é um problema cuja origem está na concentração da renda e da riqueza promovida intencionalmente pelos ricos. Como a guerra ou as mais variadas formas de ódio, a desigualdade é expressão dura e crua manifesta do homem rico, esse ser único no reino animal a promover a desigualdade como virtude, uma estupidez. Em relação à desigualdade, assim como a todas as demais formas de estupidez humana, não cabe nenhum lampejo de tolerância.

A desigualdade é enfrentada insistentemente pela Oxfam que é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em rede, em mais de 90 países. Anualmente denúncia, na semana em que os ricos se encontram no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, os graves problemas que vivem os pobres e a escandalosa e crescente concentração de riqueza e renda no mundo.

Neste ano o documento “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, (disponível em https://oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/) é, mais uma vez, um relatório impactante. Novamente a leitura do documento gera muito mal-estar e sensação de impotência diante do tamanho do problema. Seria muito bom que provocasse uma indignação transformadora.

Os dados de 2019 são mais uma vez assustadores. A desigualdade aumentou ainda mais e não para de crescer. Os bilionários no mundo são 2.153 pessoas que detém juntas a mesma riqueza que 4,6 bilhões humanos! Um grupo um pouco maior, os 1% mais ricos, detém 2 vezes mais riqueza que 6,9 bilhões de humanos. A desigualdade está fora de controle, denuncia a Oxfam.

A riqueza é produzida pelo sistema econômico e reproduzida na forma financeira pelos bancos e fundos de investimentos, tudo alimentado acionistas ávidos por resultados que engordem o portfólio do seu patrimônio. Os resultados da corrida são robustos: nos sete países mais ricos do planeta, a riqueza dos acionistas cresce 10 vez mais rápido que os salários médios dos trabalhadores.

Não há sinal de mudança no rumo dessa tragédia. Aliais, o envelhecimento da população requerendo mais cuidados com a saúde, em um mundo que desinveste em saúde pública e que promove cortes nos gastos públicos de seguridade e previdência, com a ampliação dos casos dramáticos dos efeitos da crise ambiental afetando ao mais pobres, com a tecnologia que desemprega os mais vulneráveis e uma legislação precarizante e desprotetora do trabalho, será preciso reinventar a humanidade para reverter essa tragédia.

Por isso, será fundamental iniciativas ousadas para se agregar vigor social e político a trabalhos como o da Oxfam, reunindo e unindo aqueles que lutam a favor de um mundo igualitário e, por isso, fundando na justiça e solidariedade.

A questão da luta sem trégua contra a desigualdade precisa ganhar centralidade na ação sindical, inclusive como elemento que renove o sindicalismo, mobilizando os trabalhadores para suas tarefas de disputar a distribuição justa e igualitária do trabalho social. O desafio é colocar de maneira contínua e criativa muita gente na rua contra as várias formas de desigualdade e avançar em transformações com propostas ousadas. Avante!



[1]Sociólogo, ex-diretor técnico do DIEESE.

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