O novo mundo do trabalho é flexível, precário e inseguro (atual)

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Clemente Ganz Lúcio[2]

 

Todas as manhãs, a gazela acorda sabendo que tem que

 correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as

manhãs, o leão acorda sabendo que deve correr mais

rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa

se és um leão ou uma gazela: quando o sol desponta, o

melhor é começar a correr.”

Provérbio africano,

citado por Mia Couto em “A confissão da Leoa”

 

 

O sistema produtivo está em processo global de transformação acelerado, amplo e profundo. Novos proprietários ocultos através de fundos de investimentos exigem e recebem o máximo retorno no menor prazo possível. As empresas se reestruturam para concentrar riqueza financeira e patrimonial. A inovação tecnológica, ampliada pela inteligência artificial, ocupa os postos de trabalho, desemprega, reduz o custo de produção e aumenta a produtividade do capital. Novas formas de energia, transporte e comunicação permitem inovações logísticas e locacionais das unidades produtivas de um sistema produtivo globalizado. A concorrência pelos mercados, pelas inovações, pelas propriedades (patrimonial e intelectual) e pelos ganhos acelera a competição que mobiliza transformações visando à máxima flexibilidade no mundo do trabalho e ao menor custo laboral, entre outras complexas mudanças institucionais no âmbito dos países ou dos organismos multilaterais. No conjunto, tratam-se de mudanças multidimensionais e disruptivas que ampliam as várias formas de desigualdades.

As forças que mobilizam esse amplo movimento mundial integraram o Brasil no processo de transformações. Como grande economia que é, com um sistema produtivo robusto, enorme riqueza natural, tamanho territorial e populacional e posicionamento geopolítico privilegiado, a nação é submetida a toda sorte de pressões para autorizar, nos limites formais da sua democracia, sua ocupação por “quem manda no mundo” (título e argumento central do livro de Noam Chomsky).

A inovação tecnológica acelerada e extensiva em todos os setores substitui, de maneira ampliada, o trabalho humano em todas as áreas da produção e circulação de bens e serviços, destruindo muito mais postos de trabalho do que criando ocupações. A terceirização e formas flexíveis de contrato e jornada laboral reconfiguram os postos de trabalho, os empregos, os direitos, os sistema de relações de trabalho e o papel dos sindicatos.

A mudança patrimonial, comandada pelo capital financeiro, privilegia e oferece aos investidores/rentistas o máximo retorno em detrimento das estratégias de investimento, pressionando para uma competição que acelera inovações em detrimento do trabalho humano e pressiona para a redução estrutural do custo do trabalho (salários, direitos, proteção, previdência), buscando limitar e inibir a atuação regulatória dos sindicatos e do Estado.

O ataque às instituições que regulam as relações laborais e que protegem os trabalhadores, vem acompanhado da mobilização dos jovens trabalhadores que são reduzidos à indivíduos encantados pela meritocracia e ávidos à competir pelos raros postos de trabalho bem pagos e protegidos. O fracasso em conquistar os escassos empregos de qualidade, resultado observado para a maioria, macula cada jovem que, derrotado na competição, isolado na sua solidão, ansioso e deprimido, concorre nas redes sociais para representar o oposto do que vive. A felicidade divulgada nas redes sociais é parte de um enredo de ficção coletiva para um teatro que no palco real da vida se revela como tragédia.

O Brasil conectado 

O Brasil se integrou às respostas neoliberais à crise econômica de 2008 que criou uma dinâmica de ajustes econômicos e fiscais, e uma grande mobilização de reformas trabalhistas, implementadas em mais de uma centena de países. A recessão, o desemprego, a desigualdade, a pobreza, a crise das políticas sociais, entre outros aspectos, formam um quadro comum com impacto sobre a maioria dos países.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicou um estudo (Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium), produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, sobre reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países, promovidas no período de 2008 a 2014. A pesquisa atualiza investigações anteriores, bem como faz comparações com estudos do FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O fundamento comum observado nas diversas inciativas de reformas, no contexto da grave crise e da estagnação econômica com desemprego, foi o de aumentar a competitividade das economias ou de criar postos de trabalho.

Nos países desenvolvidos predominaram iniciativas para reformar a legislação do mercado de trabalho no que se refere aos contratos permanentes. Já nos países em desenvolvimento, observou-se ênfase maior em reformas das instituições da negociação coletiva. As duas dimensões estão presentes, com maior ou menor intensidade, na maioria dos projetos de reforma implementados. Outra observação geral indica que a maioria das reformas diminuiu o nível de regulamentação existente e teve caráter definitivo. Foram analisadas 642 mudanças nos sistemas laborais em 110 países. Em 55% dos casos, as reformas visaram a reduzir a proteção ao emprego, atingindo toda a população, tinham caráter permanente, produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho no mundo.

As altas e crescentes taxas de desemprego formam o contexto que criou o ambiente para catalisar as iniciativas de reformas e disputar a opinião da sociedade sobre elas. De outro lado, os resultados encontrados no estudo não indicam que as reformas de redução ou aumento da regulação do mercado de trabalho tenham gerado efeitos ou promovido mudanças na situação do desemprego.

Vale prestar muita atenção ao fato de o estudo indicar que mudanças como essas na legislação trabalhista, realizadas em período de crise e que visam reduzir a proteção, aumentam a taxa de desemprego no curto prazo. Também não se observou nenhum efeito estatístico relevante quando essas mudanças foram implementadas em períodos de estabilidade ou expansão da atividade econômica. Mais grave ainda, as reformas “liberalizadoras”, que facilitam o processo de demissão, tenderam a gerar aumento do desemprego no curto prazo. Esses resultados são corroborados por outros estudos produzidos pelo FMI e pela OCDE (2016).

Do total de reformas, destacam-se aquelas que diminuem os níveis de regulação, das quais 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.

O movimento no Brasil

O Brasil é uma caso de “sucesso no mundo” pois, em poucas semanas, no primeiro semestre de 2017, fez a mais profunda mudança nos marcos regulatórios das relações de trabalho desde a criação da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, na década de 40. Em novembro de 2017 entrou em vigência a Lei 13.467/17 que promove inúmeras alterações na legislação laboral, no sistema de relações de trabalho, na estrutura sindical e no papel do Estado.

O pleno vigor da Lei 13.467/17 foi, em parte, retardado por iniciativa do Poder Executivo, que editou uma Medida Provisória (808) que fazia correções em aspectos escandalosos aprovados pela nova legislação como, por exemplo, a autorização de trabalho insalubre para grávidas; o reconhecimento de trabalho autônomo exclusivo para uma empresa; contrato intermitente sem limite, entre outros aspectos. O trâmite desta MP 808 foi travado na Câmara dos Deputados, impedindo que houvesse deliberação legislativa e a MP perdeu eficácia depois de 4 meses. Desse modo, em abril de 2018 a Lei 13.467/17 entrou em pleno vigor na amplitude do que fora aprovado em meados de 2017.

Depois de um ano de vigência, o que mudou?

A nova lei trouxe expressivos avanços para as empresas, materializados na desregulação das regras trabalhistas, na flexibilidade para contratar, definir jornada e reduzir os custos do trabalho. Os empregadores diminuíram riscos de passivos trabalhistas, conseguiram legalizar aspectos de precarização e, em algumas situações, a legalização do que até então era fraude ou prática antissindical. A autoridade dos sindicatos para representar e negociar pelos trabalhadores foi atacada e, para mantê-la, as entidades têm sido obrigadas a realizar esforços substantivos de resistência. A Justiça do Trabalho tem atuado de forma limitada e, como mostram estatísticas disponíveis, o acesso a ela por parte dos trabalhadores foi dificultado. As empresas comemoram, com razão, os resultados alcançados. Gradativamente, com planejamento e continuidade, mas também com boa dose de ironia, os empregadores e seus pares avançam para tornar as regras definidas na nova lei referências da regulação desse novo mundo do trabalho em irrupção e expansão.

Os trabalhadores descobrem, a cada dia e em situações concretas, dimensões e aspectos desse novo mundo. Demitidos, fazem a homologação sem assistência do sindicato. Desempregados em massa, são impedidos de contar com a representação sindical como sujeito coletivo e protetor. Direitos trabalhistas e sociais são suprimidos por meio dos vários instrumentos oferecidos pela lei. Quem chega a um novo posto de trabalho já está inserido nas normas da “modernidade” propiciada pela legislação. E se ficar em dúvida sobre aceitar ou não, um cínico contratante disparará: “é pegar ou largar!” Dilacerado pelo desemprego, como ameaça ou como condição, o trabalhador tem diante de si um vasto menu de precariedade e flexibilização: um posto de trabalho intermitente ou parcial, a possibilidade de se tornar autônomo, trabalhar sem carteira assinada, com rendimento inferior ao salário mínimo e sem direitos.

Lentamente a memória coletiva do direito vai sendo esquecida, perdida na aridez das restrições econômicas, da pobreza, dos desafios de ingressar ou de retornar ao mercado de trabalho, muitas vezes como “capital humano depreciado”. Os jovens que chegam ao mundo do trabalho desconhecem ou são “convidados” a desconsiderar o que foram os direitos e os avanços civilizatórios conquistados em lutas e negociações passadas.

Nas negociações os processos ficaram mais longos, conflituosos e os acordos mais difíceis de serem celebrados. Os patrões passaram a apresentar pautas para revisar acordos e, muitas vezes, suprimir direitos. Muitos não aceitaram tratar do financiamento sindical e nem garantir proteção dos sindicatos aos trabalhadores durante as homologações ou demissões coletivas; pressionaram para regular diferentes aspectos da jornada de trabalho e das formas de contratação (intermitente, terceirização, trabalho parcial, trabalho em casa, etc.). Os trabalhadores, por sua vez, tentaram trazer para Convenções Coletivas a proteção que a legislação retirou ou flexibilizou e as condições para realizarem a atividade sindical.

A Justiça do Trabalho foi incentivada a se transformar na instância que garante proteção às empresas e aos empregadores. O trabalhador passou a pagar para possuir acesso a algo que Constituição lhe dá direito gratuito. Diversas atribuições do Ministério do Trabalho viraram pó e a sua extinção recente no governo Bolsonaro foi a pá-de-cal. Tudo coerente com o desmonte geral e irrestrito dos sistemas protetivos do mundo do trabalho, com os limites impostos às políticas públicas de emprego, trabalho e renda, bem como com o papel desregulador que o Estado assume, investindo para animar o afastamento e a desfiliação sindical dos trabalhadores.

De maneira segura, progressiva e criando dificuldades para a reação dos sindicatos, a reforma está passando às mãos do empregador aquilo que se propôs a entregar: flexibilidade e segurança necessárias para transformar o mundo do trabalho, o sistema produtivo e o Estado.

Impactos medidos

Os múltiplos impactos da extensa Reforma Trabalhista serão plenamente percebidos, de fato, ao longo do tempo. Isso acontecerá à medida que o mercado de trabalho promover, por meio da rotatividade, a demissão de trabalhadores contratados nas “velhas” regras e a admissão de outros, seguindo as novas normas; houver migração de parte do enorme contingente de trabalhadores sem registro em carteira e autônomos para as modalidades de contratação criadas pela nova lei; a renovação anual e continuada das convenções e dos acordos coletivos de trabalho rebaixar direitos adquiridos e consagrados por diversas categorias profissionais nas negociações com os patrões ou estabelecer novas configurações nas regulações laborais que tragam para os contratos coletivos o que antes estava na lei. Os efeitos serão observados, portanto, no processo de reconfiguração das relações de trabalho e das negociações coletivas que, no longo prazo, constituirá as bases reais das novas condições laborais e de representação dos trabalhadores brasileiros. Bem como se deve considerar, no contexto presente, as possíveis novas iniciativas do governo para aprofundar a ampla desregulação já iniciada e cujos impactos poderão ser de magnitudes agora inimagináveis.

No primeiro ano de vigência da Reforma, foi possível notar ampla extensão das alterações, com efeitos variados e entrecruzados; onde há sindicato atuante, a implantação das regras passou por um complexo processo negocial, em que os trabalhadores mostram força, resistem e formulam propostas; tem sido possível tratar, nas negociações coletivas, das modificações que a lei pretende implementar; aumentou o poder dos empregadores para a imposição de novas regras; as negociações ganharam nova substância, especialmente com a introdução de pautas patronais com propostas de supressão ou rebaixamento de direitos; a lei que autorizou a terceirização ampla e irrestrita é parte complementar e essencial da Reforma; a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm cumprido papel relevante na definição dos contornos, parâmetros e efeitos das normas.

Algumas das novas formas de contratação começam, ainda que na margem, a marcar presença nos registros administrativos do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Ministério da Economia.

O contrato para vínculos de trabalho intermitente representou pouco mais de 0,5% dos novos vínculos estabelecidos entre abril/18 (mês que a MP 808 deixa de ter eficácia) a janeiro/19. Os saldos (contratações - demissões) apresentaram crescimento leve – partindo de cerca de 4 mil em abril/18 para 5 mil em outubro/18, atingindo quase 8 mil em novembro/18, depois caindo para pouco mais de 3 mil em janeiro/19. Os dados mensais mostraram neste primeiro ano uma tendência de discreto crescimento desse tipo de contratação, com maior participação de ocupações no setor de serviço. Já no setor da construção civil a participação dos vínculos de trabalho intermitente representou 1,3% dos novos vínculos, mais do que o dobro da participação observada nos demais setores. Diversos tipos de ocupação aparecem nos resultados mensais observados, mas se destacam com contratos intermitentes as ocupações de assistentes, serventes, auxiliares, faxineiros, atendentes, recepcionistas, operadores de telemarketing, entre outros.

Os vínculos de contrato em jornada parcial, outra modalidade apoiada pela reforma trabalhista, também representaram pouco acima de 0,4% das contratações observadas no período de abril/18 a janeiro/19. Os saldos mensais (admissões – contratações) oscilaram bastante, com maior intensidade no volume de demissões do que o observado com o contrato intermitente. Vendedores, auxiliares e assistentes administrativos, pessoal de manutenção, caixas e bilheteiros, faxineiros, garçons, atendentes de lojas e lanchonetes, recepcionistas e professores foram as ocupações que se destacaram nesse tipo de contrato.

Somados, contratos intermitentes e de jornada parcial totalizaram cerca de 1% dos novos vínculos observados no período analisado. Contudo, como abaixo será apresentado, neste período se observou o aumento das ocupações por conta própria, assalariamento sem carteira de trabalho assinada, emprego doméstico, situações ocupacionais que não são registradas no CAGED e que não fazem parte dos resultados acima. É possível ainda considerar que tenha ocorrido uma migração na margem de ocupações informais, anteriormente indicadas, para empregos formais no formato intermitente ou jornada parcial, agora legais e protegidos para o empregador.

Esses dois tipos de vínculo laboral mensurados pelo CAGED fazem parte do menu de novas formas de contratação, precárias e inseguras, com remuneração muito baixa, que estão contribuindo para puxar os salários médios também para baixo.

Uma nova figura jurídica foi criada para o rompimento do vínculo laboral (demissão), o desligamento por acordo entre empregado e empregador. Cerca de 1% dos quase 19 milhões de vínculos rompidos foram realizados usando desse novo instrumento de acordo, que apresentou uma discreta curva de crescimento ao longo do ano de 2018. Os desligamentos por acordo foram 9 mil em janeiro de 2018 e chegaram a 18 mil em janeiro de 2019, com cerca de ¾ realizados nos setores de comércio e serviços.

A reforma laboral é sempre alardeada como redentora do emprego. O ano de 2018 insistiu em não dar as evidência àqueles que tinham essa fé. A taxa de desemprego média de 2018 foi de 12,3%, menor que a taxa de 12,7% observada em 2017, segundo a PNAD Contínua - IBGE. Essa leve queda da taxa de desemprego está em sintonia com o baixo crescimento econômico observado de 1,1% para o PIB, segundo o IBGE. A economia anda de lado e o desemprego desliza desde a recessão de 2015/16.

O desemprego diminui porque a ocupação por conta própria cresceu 2,9% entre 2017/18, aumentando esse contingente que já representa ¼ da força de trabalho no país. Já o número de empregados assalariados e servidores públicos cresceu 0,7% no mesmo período e representam 2/3 da força de trabalho. O assalariamento com carteira de trabalho assinada vem caindo desde 2014 (queda de -10%) e continuou caindo em 2018, com queda de -1,2%. De outro lado, o assalariamento sem carteira de trabalho assinada cresceu 7,8% (2014/18), sendo 4,5% o aumento observado entre 2017/18. Cerca de ¼ dos assalariados não tem registro em carteira, participação que vem crescendo desde 2015.

O emprego doméstico continua crescendo, com diminuição do contingente contratado com registro em carteira ( queda para 29% dos ocupados) e aumento do contingente sem registro em carteira (elevação para 71% dos ocupados).

No geral, diminuiu o contingente que contribui para a previdência social, que hoje são 63% da população ocupada, e aumentou aqueles que não contribuem, que são atualmente cerca de 37% dos ocupados, segundo o IBGE.

O IBGE estima em cerca de 27,4 milhões o contingente da força de trabalho subutilizada. São 12,8 milhões de desempregados, com leve queda de 2017 para 2018 (menos 400 mil); são 6,6 milhões de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, aumentando em cerca de 670 mil de 2017 para 2018; a força de trabalho potencial que não está no mercado de trabalho é de 7,9 milhões, crescendo de 2017 para 2018 em 630 mil; 4,7 milhões estão na condição de desalentados, crescendo 530 mil de 2017 para 2018. A força de trabalho subutilizada aumentou 3,4% entre 2017 e 2018, sendo 13,4% o aumento do desalento e 11,1% o aumento da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas.

A taxa de crescimento da população com 14 anos ou mais em 2018 foi de 1%. Entretanto, a taxa de crescimento da participação da população com 14 anos ou mais no mercado de trabalho na condição de ocupada ou desempregada aumentou 0.8%. Houve, portanto, uma menor pressão sobre o mercado de trabalho em termos de procura, aliviando a magnitude dos fracos resultados observados. 

O trabalho temporário é outro tipo de contrato flexível que representa aproximadamente 12% da força de trabalho ocupada, segundo o IBGE. As informações relativas à jornada semanal de trabalho, também da PNAD Contínua, reafirmam a baixa qualidade dos postos de trabalho gerados após a Reforma. Dados referentes ao terceiro trimestre de 2018 revelam que aumentou a proporção de ocupados com jornadas reduzidas ou superiores à média em relação ao terceiro trimestre de 2017:  aumento de 5,2%, entre os que cumprem jornada inferior a 14 horas semanais; aumento de 4,4% entre os que trabalham de 15 a 39 horas; e aumento de 8,5% entre os que realizam jornadas iguais ou superiores a 49 horas por semana.

Esses dados indicam a situação estrutural do desemprego, da heterogeneidade do mercado de trabalho e da desproteção estrutural. A Reforma Trabalhista proporciona proteção institucional às formas precárias, inseguras e flexíveis de ocupação. Nenhum resultado observado em 2018 dá alento à fé daqueles que acreditavam ou venderam a ideia de que a Reforma traria os empregos perdidos. Agora a fé está renovada na certeza de que a Reforma da Previdência e a na carteira verde e amarela serão os novos salvadores do emprego perdido. São inúmeras as evidencias históricas que revelam que os dogmas acima, aplicados à realidade, destroem padrões civilizatórios duramente construídos. 

Nas negociações coletivas de trabalho os processos foram mais longos e difíceis de serem concluídos. Dados do Sistema Mediador, do Ministério do Trabalho, mostram que o número de Convenções Coletivas fechadas entre janeiro e outubro de 2018 caiu em relação ao mesmo período do ano anterior (- 25%).

Os temas relacionados à Reforma mais pautados nas negociações coletivas foram: hierarquia das normas que regem as relações de trabalho, ou seja, disputa pela prevalência do legislado ou do negociado, e intervalos intrajornada (13% cada); cômputo das horas in itinere na jornada de trabalho e participação dos sindicatos na homologação das rescisões contratuais (11% cada); banco de horas (9%); jornada de 12 x 36 (7%); fracionamento das férias e regime de trabalho em tempo parcial (6% cada); normas para pagamento das rescisões contratuais, comissão de representação de empregados e contrato intermitente (5% cada).

O financiamento sindical, regularmente tratado em acordos e Convenções Coletivas, passou a ser objeto de conflito nas negociações em decorrência das mudanças referentes à contribuição sindical introduzidas pela Reforma Trabalhista. Em 86% das Convenções Coletivas, registradas no Mediador, foram incluídas normas relacionadas a alguma forma de custeamento. Quase 2/3 dessas regras referem-se à contribuição negocial, taxa definida pelos trabalhadores em assembleia, para ser destinada às entidades sindicais pela condução das negociações.

De maneira geral, cerca de 83% das negociações trataram de temas relacionados às condições e aos contratos de trabalho; 46% referiram-se à organização sindical; e 23%, à negociação coletiva. Em 55% das negociações assessoradas pelo DIEESE o patronato apresentou uma pauta para a negociação; em 86%, questionou direitos e garantias que eram renovados há anos; e em 18%, não alterou a postura de anos anteriores.

Os trabalhadores, por sua vez, priorizaram nas mesas de negociação os seguinte temas: participação dos sindicatos na homologação das rescisões de contrato, terceirização na atividade-fim, demissões coletivas, parcelamento de férias, representação sindical, insalubridade para a trabalhadora gestante, rescisão de contrato por comum acordo, contratação de PJ (pessoa jurídica) ou autônomo, trabalho intermitente, banco de horas e horas in itinere.

Segundo o TST – Tribunal Superior do Trabalho, houve queda de 36% no número de ações trabalhistas ajuizadas em 2018 em relação a 2017.

Em síntese, a Lei 13.467/17 não denota resultado relevante sobre o estoque e o fluxo de empregos. A grave fragilidade da economia, que insiste em refutar as expectativas de crescimento, mostra uma economia que anda de lado e uma dinâmica ocupacional na qual predominam o trabalho por conta própria e as situações de aumento da desproteção. Há sinais, na margem, da emergência das novas formas de contratação. A terceirização não foi avaliada e é a grande novidade em termos de liberação geral para a sua expansão. As negociação coletivas recepcionam uma nova agenda, principalmente com as inciativas patronais de propor revisão geral dos contratos coletivos e da resistência das entidades sindicais dos trabalhadores.

O jogo a partir de 2019

O governo Bolsonaro vem anunciando a continuidade e aprofundamento da estratégia de desregulação laboral, redução da capacidade sindical de representação coletiva, favorecendo à subordinação individual do trabalhador ao poder de mando do empregador.

A agenda de reformas já teve início em 2019 com o Projeto de Emenda Constitucional 06/2019, que está em debate no Congresso Nacional (2019) e que faz profundas mudanças nos pilares de sustentação Sistema de Seguridade Social e da Previdência Social Pública, de repartição e solidária, ampliando o número de excluídos do sistema, retardando o acesso ao direito da seguridade e previdência, arrochando os benefícios ou transferências sociais e, principalmente, desconstitucionalizando o Sistema de Seguridade e Previdência Social para um sistema privado de capitalização individual, tudo passando a ser regulado em legislação ordinária.

A natureza dessa reforma abre as portas do Sistema de Seguridade e Previdência para a legalização das formas de ocupação informal e de assalariamento precário, o que pode vir reunido na chamada carteira verde e amarela, uma forma de vínculo com direitos reduzidos ao mínimo, sem proteção sindical, garantido por uma assistência básica, provavelmente inferior ao salário mínimo, e com incentivo a uma micro-capitalização previdenciária. A Reforma Trabalhista abriu as portas para esses novos projetos de mudança, tudo em sintonia com o Estado Mínimo.

Esse projeto futuro, rabiscado na especulação acima, também poderá alterar a função do FGTS e do FAT, do seguro-desemprego e concluir mudanças no abono salarial, este já alterado na PEC 06/2019. Mudanças na proteção à saúde e segurança poderão vir, flexibilizando e reduzindo normas nesse campo.

Mas, enquanto as inciativas acima aventadas não chegam, em 01 de março de 2019 (sexta-feira de Carnaval) o governo editou a Medida Provisória 873, que define as regras referentes às contribuições aos sindicatos indicadas na Lei 13.467/17 e em julgamento recente do STF – Supremo Tribunal Federal sobre a questão. As novas regras inibem, impedem e constrangem a relação entre trabalhadores e movimento sindical.

A urgência da MP, motivo que justifica sua edição para efeito imediato, é combater o ativismo do movimento sindical e também do Judiciário. Após a aprovação da Lei 13.467/17, que fez uma reforma sindical às escondidas, o movimento sindical passou a buscar alternativas no âmbito das negociações coletivas para tratar do financiamento sindical. Predominou o entendimento de que as assembleias de todos os trabalhadores (sócios e não sócios) deliberam sobre a negociação (pauta e processo negocial) e definem o aporte financeiro que os trabalhadores deverão fazer para a construção do acordo ou convenção coletiva. Incluída nos instrumentos coletivos, a regra de financiamento aprovada em assembleia garantia, ainda, o direito de oposição ao não sócio do sindicato. A Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho passaram a considerar possibilidades em torno da estratégia da cota negocial. É isso que o governo denomina de “ativismo”.

Para o governo, o “ativismo” estava em dissintonia às intenções da Lei 13.467/17 e, portanto, o esclarecimento normativo se fazia necessário. A intenção é evitar, inibir e incentivar qualquer relação dos trabalhadores não sócios com o sindicato em assembleia ou evento semelhante e criar cizânia entre sócios e não-sócios. Primeiro, os não sócios têm direito à todos os benefícios das Convenções Coletivas ou Acordos Coletivos sem a obrigação de contribuir com o sindicato e, segundo, cabe somente aos sócios a responsabilidade de financiar o sindicato. Ou seja, alguns bancam e financiam o direito que todos têm acesso, independente da contribuição, pois os não-sócios contribuirão com os sindicatos somente se o quiserem. Estes, se fizerem muita questão de contribuir com o sindicato, terão que manifestar sua opção individual de contribuir – sem nenhuma relação com a categoria e suas formas de atuação e organização – através de uma autorização expressa (quero contribuir mesmo!) e por escrito. Com esse documento individual em mãos, o sindicato deverá emitir um boleto bancário, pois não será mais permitido o desconto em folha de pagamento. O recolhimento bancário é individual. Simples e cristalino. O sócio será um altruísta que financiará o direito dos demais e está aberta a porteira da cizânia.

O jogo em aberto

A concepção liberal de simplificação e flexibilização que dá segurança ampliada aos empregadores é parte da agenda de quem governa o país e vem ganhando terreno institucional. As iniciativas de mudanças nesse sentido estão indicadas e em processo de implantação com alguns resultados já mensuráveis. Muito há que ser observado e medido, mas o sentido é claro no desmonte civilizatório daquilo que foi construído em décadas de lutas, mobilizações e negociação.

A resistência aos desmontes generalizados devem ser orientadas por estratégias que reconfigurem novas formas para a proteção, com o redesenho da atividade e organização sindical, novas formas de luta e mobilização dos trabalhadores. Novas institucionalidades precisarão ser criadas para regular o mundo do trabalho e proteger os trabalhadores. As adversidades são severas, porém o futuro é permanentemente uma situação em aberto. Se a história recente evidencia as agruras nas trajetórias reais vividas, é somente a disposição para atuar e intervir que abrirá novas possibilidades para se disputar as trajetórias dos caminhos para a construção das formas de vida coletiva futura.



[1] Este artigo foi publicado originalmente na “Carta Social e do Trabalho”, publicação do CESIT / Instituto de Economia da Unicamp, número 38, de julho a dezembro de 2018, páginas 01 a 11. Disponível  em www.cesit.net.br

 

[2]Diretor técnico do DIEESE e professor do Curso Esquerda no Século XXI (vejam se querem colocar a cadeira/disciplina).

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