PIB caraminguá


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Clemente Ganz Lúcio[1]

No terceiro trimestre, o fluxo da produção econômica (oferta) e do consumo (demanda), medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através da variação do Produto Interno Bruto (PIB), teve aumento de 0,6% em relação ao segundo trimestre de 2019. Festejam os analistas do mercado (aqueles que falam em nome dos donos do Brasil) e o governo os 11 trimestres sem resultado negativo, mesmo que em dois o resultado tenha sido 0% e, em outros dois, ficado em 0,1%. E comemoram porque precisam justificar o que fazem, como se estivesse tudo sendo um sucesso. Mas está dando certo, mesmo? (veja Síntese de Indicadores DIEESE – Algumas considerações sobre os resultados do PIB no 3º trimestre de 2019, disponível no site www.dieese.org.br). Bem, depende para quem.

O setor da construção civil puxou parte do crescimento, depois de cinco anos em queda (tombo de 30% em relação a 2014). Esse resultado decorre do aumento da construção de habitação para as classes A e B. São os ricos aplicando a riqueza financeira, que não para de crescer nem durante essa grave recessão, procurando ativos reais para investir, depois que os juros perderam parte do atrativo. Sim, de fato, eles devem comemorar. Já os milhões de trabalhadores ferrados das classes C, D e E lutam para não perder a casa ou passam a viver nas calçadas das cidades.

A indústria cresceu 0,8%. A indústria extrativa cresceu 12% (Petrobras, com petróleo e gás do pré-sal, e a Vale, com minério de ferro, depois do crime de Brumadinho) e a da construção, 1,3%. Mas as fábricas (indústria de transformação) continuam na toada da recessão (-1%), deixando de puxar uma estrutura produtiva mais complexa, reduzindo a demanda por bens e serviços dos demais setores e o número de postos de trabalho com melhor qualidade e salários.

O investimento cresceu 2%, mas representa parcos 16,3% do PIB (na China, é de 43%, e aqui chegou a 21,5%, em 2013). Cinco anos depois, comemorar o quê? Por exemplo, que a estratégia de combate à corrupção destruiu o setor produtivo de infraestrutura econômica e social, travou os investimentos públicos e passou a faca em milhões de empregos? Que sucesso é esse no qual o fim da doença é decorrente da morte do paciente? Esse “sucesso” está registrado pelo FMI, que, comparando 170 países, coloca o Brasil no grupo dos 20 países com os piores resultados em termos de taxa de investimento.

O consumo das famílias, responsável por mais de 60% do PIB, cresceu 0,8%. Puxado pelos empregos predominantemente informais, precários e de baixa remuneração que aparecem aqui e acolá, pela liberação do FGTS ou do 13º do Bolsa-família. A ocupação não sustenta o consumo no longo prazo e a renda é pontual e rapidamente acaba.

Afirmam os alvissareiros que se trata de uma dinâmica virtuosa, puxada pelo setor privado. Isso porque o gasto do governo continua em queda pelo segundo trimestre (-0,3% e -0,4%), mas as privatizações e a desnacionalização do setor privado avançam, e a soberania econômica do país sobe para o hemisfério norte.  

No setor externo, crescem as importações 2,9%, inclusive de máquinas que deixam de ser aqui produzidas, e caem as exportações (-2,8% de manufaturados). A desnacionalização da economia aumenta remessas ao exterior.

O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria) cravou com precisão: “temos em 2019 uma recuperação sem indústria” (www.iedi.org.br - texto “Muito chão pela frente”).

O que os resultados indicam, trimestre após trimestre, é que o Brasil sai de uma gravíssima recessão econômica, mas que a recuperação é a mais lenta da história. O país se revela como uma grande tartaruga econômica.

Consequências sociais? O PIB per capita teve queda de -10,2%, entre 2014 e 2016. Segundo medição do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV (Valor Econômico de 04/12), se esse ritmo de recuperação econômica for mantido, o PIB per capita voltará ao nível pré-recessão apenas daqui a 18 anos, ou seja, em meados de 2037. 

As médias encobrem as desigualdades. Nem todos perderam. A maioria perdeu muito e muitos jamais recuperarão o que perderam. Mas há os que ganharam e muito. Esses comemoram!

Comemoram para convencer que estão certos. Afinal, a agenda de reformas, a destruição dos direitos trabalhistas e sociais, das políticas públicas, a entrega organizada do país aos interesses privados e internacionais precisam continuar. “Sigamos em frente que o PIB vem atrás”, afirmam.

O Brasil crescerá o mesmo pífio 1% de 2018 em 2019. Um verdadeiro PIB caraminguá, palavra originária do povo Guarani (karãmengwã), mais uma das inúmeras populações dizimadas pelo PIB dos colonizadores, colonizadores que também comemoravam resultados! Caraminguá: cacaréu ou bugiganga, objeto de pouco valor.



[1] Sociólogo, diretor técnico do DIEESE.

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