Mudanças estruturais e o sindicato do futuro: desafios para a reestruturação sindical

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O movimento sindical brasileiro vive uma conjuntura de complexas mudanças no sistema produtivo e nos marcos legais que estão colocando o imperativo de pensar e promover uma profunda reestruturação sindical. O desafio é mudar para que o sindicalismo brasileiro seja protagonista da organização dos trabalhadores no novo mundo do trabalho que irrompe; capaz de reunir todos os trabalhadores que estão inseridos no mundo do trabalho através de uma diversidade de formas de ocupação e de contratação; promover a unidade no campo político múltiplo da classe trabalhadora; ser agente de formulação de utopias que mobilizem os trabalhadores e de uma agenda com propostas que serão respostas afirmativas dos trabalhadores ao novo mundo que se apresenta.

A reestruturação sindical deve ser um projeto planejado estrategicamente para que os trabalhadores, mais uma vez, se coloquem como agentes históricos de mudança que produzem justiça, igualdade, solidariedade e paz.

         Profundas mudanças estruturais no sistema produtivo estão em curso acelerado, tais como:

·      A globalização das empresas multinacionais que rearticulam sua presença física no mundo, reorganizando sua presença no território global. Unidades fecham e demitem trabalhadores; unidades são abertas com novas formas de contratação e novos padrões de direitos.

·      A distâncias físicas são aproximadas pela tecnologia de comunicação, o que permite novas estratégias de gestão, integrando e articulando as unidades produtivas distribuídas no planeta. As fronteiras dos países não formam mais barreiras. Um metalúrgico europeu cuja hora de trabalho custa 50 dólares é aproximado de um metalúrgico argelino que recebe 2 dólares por hora e passam a trabalhar em uma mesma base produtiva, apesar dos milhares de quilômetros que os separam. Custos são comparados e pressões exercidas para flexibilizar os custos salariais em todo o planeta.

·      A financeirização do sistema produtivo impõe nova lógica às estratégias dos negócios. O máximo retorno ao acionista, no menor prazo possível, altera a gestão de resultados, sua distribuição entre investimento e retorno ao acionista. O lucro máximo acelera o uso de tecnologia que substitui a força de trabalho humana, a proteção laboral é questionada e o sindicatos são escanteados. O trabalhador é cada vez mais um recurso descartável. O sindicato um incomodo.

·      O avanço tecnológico, especialmente com a inteligência artificial, abre a possibilidade inédita da indústria produzir máquinas que estarão presentes em todas as atividades econômicas e de transformar todas as atividades humanas e atividades econômicas. Há a industrialização de todos os setores da economia, integrando-os. Já não faz tanto sentido separar indústria, agricultura, comércio e serviços. Tudo se integra e se relaciona.

·      A expansão tecnológica e sua velocidade de inovação colocam o sistema produtivo em constante mudança, o que introduz desafios desconhecidos para o mundo do trabalho. As máquinas adquirem rapidamente capacidade ampliada de substituir o trabalho humano nos mais variados setores e atividades. A pressão sobre as qualificações aumenta, exigindo permanente aprendizado e investimento em formação. As profissões mudam e os trabalhadores serão pressionados a terem várias profissões ao longo da vida laboral.

·      A inovação acelerada altera os postos de trabalho e as profissões. A mudança exige atualização permanente dos trabalhadores e enorme flexibilidade profissional. O posto de trabalho muda o tempo todo, as ocupação se transformam rapidamente e a tecnóloga ocupa o espaço do trabalho humano.

·      O mundo do trabalho se transforma a cada instante e as inovações fazem as ocupações mudarem, as funções laborais se transformarem, os empregos somem e outros aparecem. É provável que os novos trabalhadores terão várias profissões ao longo da vida e estarão inseridos em múltiplas ocupações.

·      O Estado Social está sendo questionado na sua função de produzir políticas públicas universais a partir de impostos progressivos. Caminha-se para promover a transição do Estado Social de Proteção, para o Estado de assistência; da política pública orientada pela solidariedade para a política da meritocracia; do Estado da seguridade social para o Estado do seguro individual.

·      O direito laboral de proteção do trabalhador migra para o direito de proteção às empresas, contra passivos trabalhistas, contra direitos assegurados em lei, pelo direito de demitir sem proteção sindical.

·      Há uma enorme mudança no padrão normativo que promove flexibilidade ampliada nas formas de contratação, na jornada de trabalho, na exclusão de direitos, nas relações diretas sem a mediação do sindicato.

·      A terceirização ampliada possibilita nova organização dos sistema produtivos, externalizando e reduzindo custos e riscos. O que era emprego indústria vira serviço, o sindicato sai do campo de representação.

·      Os contratos flexíveis (intermitente, p.ex.) ajustam a jornada de trabalho para a unidade de 1 hora trabalhada e quitada, sem vínculo estável ou permanente.

·      Há a precarização do emprego legalizado (intermitente) e a legalização das ocupações informais e desprotegidas (autônomos, conta-própria). A tendência é de crescimento desse contingente em detrimento do grupo de assalariados com carteira assinada em jornada integral.

·      Aumenta a percepção induzida pela propaganda e pelo desemprego de longa duração que um posto precário é o “que temos para o momento”. 

·      Há uma campanha permanente de desqualificar as instituições, neste caso, os sindicatos, afastando propositalmente os trabalhadores das suas entidades, com campanhas abertas e subliminares.

·      O papel da justiça é restringido e acesso limitado ou dificultado

·      A negociação coletiva e o papel do sindicato são questionados e testados. Afastar os sindicatos é abrir caminhos para a flexibilização, a redução dos custos laborais e inovação tecnológica que substitui postos de trabalho.

 

Esses elementos, entre tantos outros, compõem um campo de transformações de extensa complexidade e que irrompe independente do contexto político nacional. É na base material desse sistema produtivo em transformação que emerge o novo mundo do trabalho e o futuro do sindicato depende da qualidade da resposta que a atual estrutura sindical será capaz de promover. A reestruturação dos sindicatos deve mirar a capacidade de organizar, mobiliar e representar os trabalhadores inseridos nesse novo mundo.

Essa transformação estrutural ocorre nos contextos políticos histórico-situacional da cada país, no qual o executivo, o legislativo, o judiciário e as demais instituições, no seu contexto econômico, social, político e cultural específico, incidem com seus projetos, propostas e iniciativas. Por vezes, a dinâmica do país acelera ou aprofunda as mudanças estruturais, outras vezes cria resistências ou apresenta alternativas às mudanças. A complexidade da transformação estrutural do sistema produtivo e das relação laborais ganha seu conteúdo e dinâmica real na vida de uma nação, às vezes, trágica.

Por isso, o projeto de país e de nação de um governo faz muita diferença na conformação da mudança estrutural no contexto concreto, assim como a interação entre mudança estrutural e projeto de governo vai moldando o desenvolvimento, as possibilidades econômicas e o conteúdo do sistema produtivo do país. O novo mundo que emerge dessas transformações adquire feições reais e o novos trabalhadores constroem nesse contexto a sua subjetividade concreta. A reestruturação para construir o sindicato do futuro é uma resposta objetiva às mudanças concretas nesse contexto histórico presente.

No caso brasileiro, há também projetos e inciativas do governo federal para alterar o padrão da legislação laboral, mudar as formas de proteção do trabalho e dos trabalhadores, provocar e promover mudanças profundas na estrutura sindical, alterar seu financiamento e buscar novas mediações para a negociação coletiva e a solução dos conflitos. Estão na agenda:

·      Reforma de previdência social.

·      Reforma tributária, o que inclui desoneração da folha de pagamento.

·      Desvinculações do orçamento público para gastos com educação e saúde, entre outros.

·      Reforço do limite de teto de gasto do orçamento público federal.

·      Mudanças no FGTS e FAT (seguro-desemprego, entre outros).

·      Privatizações das empresas estatais, concessões e parcerias público-privadas.

·      Reforma sindical.

·      Ampliação da reforma trabalhista.

·      Revisão dos marcos regulatórios em diferentes setores. 

·      Possibilidade de venda de terras aos estrangeiros.

·      Abertura comercial ampla.  

 

Essas medidas, entre muitas outras, constituem-se em dimensões da complexidade situacional que atuam como vetores disruptivos que provocarão dinâmicas múltiplas de mudanças radicais no mundo do trabalho, nos empregos e ocupações e na condição de vida e visão de mundo dos trabalhadores. No Brasil essas complexidades estão em desenvolvimento e exigem respostas rápidas e criativas da atual organização sindical. 

O desafio é criar respostas para reestruturar a organização sindical para que continue capaz de representar os interesses dos trabalhadores diante dessas novas complexidades. Respostas para uma estrutura que continue capaz de reunir os trabalhadores em torno da sua organização, com ela produzir unidade política que gere força social e econômica para apresentar sua agenda, seus projetos e visão de mundo, com capacidade para negociar e estabelecer compromissos que promovam ocupação de qualidade e protegida para todos e seja capaz de dar soluções aos conflitos.

O projeto de reestruturação deve construir uma organização que represente todos os trabalhadores, inseridos no mundo do trabalho através de múltiplas formas de ocupação e de contratação, em relações laborais que serão estabelecidas no novo sistema produtivo que irrompe. Esse desafio exige repostas hoje, olhando para o futuro, com os pés no chão e com compromisso com a nossa história.     

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