Trabalho inseguro e vida insana

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Clemente Ganz Lúcio[1]

 

No Brasil o trabalho inseguro e instável está legalizado. A Lei 13.467/17 fez a mais profunda reforma laboral da legislação trabalhista do Brasil. Agora, ao trabalho informal se somam novas formas de emprego inseguro (intermitente, jornada parcial, autônomo exclusivo, terceirizado), tudo convergindo para formas insanas de vida, efeito colateral secundário para o novo e imenso mundo do trabalho flexível do século XXI.

Um ano após a nova Lei entrar em vigor os resultados começam a aparecer.

O trabalho intermitente representa cerca de 0,5% dos novos vínculos estabelecidos de abril/18 a janeiro/19 segundo o CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Ministério da Economia. No período o saldo (contratações deduzidas as demissões) apresenta leve aumento, partindo de 4 mil em abril/18, subindo para 5 mil em outubro/18, atingindo 8 mil em novembro/18, depois cai para pouco mais de 3 mil em janeiro/19. Esse movimento indica uma tendência de aumento discreto desse tipo de contratação, especialmente no setor de serviço. Observe-se que na construção civil a participação dos vínculos de trabalho intermitente é mais intensa e já representa 1,3% dos novos vínculos, mais do que o dobro da participação observada nos demais setores. Diversos tipos de ocupação intermitente são observadas, mas se destacam em todos os meses os assistentes, serventes, auxiliares, faxineiros, atendentes, recepcionistas e operadores de telemarketing, entre outros.

Outro tipo de vínculo estimulado pela Lei 13.567 é o do contrato em jornada parcial que também representou cerca de 0,5% das contratações observadas no período de abril/18 a janeiro/19. Sem apresentar crescimento, os saldos mensais oscilam bastantes, apresentando também maior intensidade no volume de demissões do que o observado com o contrato intermitente. Vendedores, auxiliares e assistentes administrativos, pessoal de manutenção, caixas e bilheteiros, faxineiros, garçons, atendentes de lojas e lanchonetes, recepcionistas e professores são as ocupações que se destacam nesse tipo de contrato.

A demissão agora pode ser feita por meio de acordo entre empregado e empregador, situação na qual o empregador paga menos e o trabalhador recebe menos. Cerca de 12% dos quase 15 milhões de vínculos rompidos em 2018 foram realizados usando esse novo instrumento, que apresenta uma discreta curva de crescimento ao longo do ano de 2018. Os desligamentos por acordo somaram 9,6 mil em janeiro de 2018 e atingiram 17,7 mil em janeiro de 2019, cerca de ¾ realizados nos setores de comércio e serviços.

Os reformistas professaram a fé que a nova legislação geraria emprego. Um ano depois a taxa de desemprego continua superior a 12%, com mais de 13 milhões de pessoas desocupadas. A leve queda da taxa de desemprego ocorreu porque a ocupação por conta própria cresceu 2,9% entre 2017/18 e já representa ¼ da força de trabalho no país, enquanto os empregados (assalariados e servidores públicos) cresceram 0,7% no mesmo período e representam 2/3 da força de trabalho. O assalariamento com carteira de trabalho assinada vem caindo desde 2014 (queda de -10%) e continuou caindo em 2018, com queda de -1,2%. De outro lado, o assalariamento sem carteira de trabalho assinada cresceu 7,8% (14/18), sendo 4,5% o aumento observado entre 2017/18. Cerca de ¼ dos assalariados não tem registro em carteira, participação que vem crescendo desde 2015.

O emprego doméstico continua crescendo, com diminuição do contingente contratado com registro em carteira (29% dos ocupados) e aumentando o contingente sem registro em carteira (71% dos ocupados).

No geral, diminuiu o contingente que contribui para a previdência social (63,4% da população ocupada) e aumenta aqueles que não contribuem (36,6% dos ocupados) segundo o IBGE.

O IBGE estima em cerca de 27,4 milhões o contingente da força de trabalho subutilizada. São 12,8 milhões de desempregados, com leve queda de 17 para 18 (menos 400 mil); 6,6 milhões de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, aumentando em cerca de 670 mil de 2017 para 18; a força de trabalho potencial que não está no mercado de trabalho é de 7,9 milhões, crescendo de 2017 para 18 em 630 mil; 4,7 milhões estão na condição de desalentados, crescendo 530 mil de 2017 para 18. A força de trabalho subutilizada aumentou 3,4% entre 2017 e 2018, sendo 13,4% o aumento do desalento e 11,1% o aumento da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas.

O trabalho temporário é outro tipo de contrato flexível e representa aproximadamente 12% da força de trabalho ocupada, segundo o IBGE. As informações relativas à jornada semanal de trabalho, também da Pnad Contínua, reafirmam a baixa qualidade dos postos de trabalho gerados após a Reforma. Dados referentes ao terceiro trimestre de 2018 revelam que aumentou a proporção de ocupados com jornadas reduzidas ou superiores à média em relação ao terceiro trimestre de 2017: aumento de 5,2%, entre aqueles que cumprem jornada inferior a 14 horas semanais; aumento de 4,4% entre os que trabalham de 15 a 39 horas; e aumento de 8,5% entre os que realizam jornadas iguais ou superiores a 49 horas por semana.

O reformismo precarizante das condições de trabalho tem objetivos mais audaciosos e quer alargar a flexibilidade no mundo do trabalho. Prepara novas surpresas, medidas que alargarão os efeitos acima indicados e que tornarão ainda mais insana a vida dos trabalhadores, um projeto de mal estar social crescente.



[1]Diretor técnico do DIEESE.

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