Economia de Francisco e o movimento sindical

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Clemente Ganz Lúcio é sociólogo
e diretor técnico do DIEESE 
E-mail: 
clemente@dieese.org.br

O tempo histórico no Brasil e no mundo exige que se mantenha viva uma das mais admiráveis capacidades do ex-diretor técnico do DIEESE, Walter Barelli: a de reunir e unir os diferentes e indignados e apoiá-los para se colocarem em movimento na luta pela utopia da justiça, da igualdade e do bem comum. Barelli foi responsável pela expansão do DIEESE e, em grande parte, pela credibilidade científica por ela conquistada em relação às pesquisas sobre o mundo do trabalho.

Um dos grandes desafios, em períodos de urgências, é saber discernir o que é essencial. Ao olhar e ver o outro, a atenção fraterna e solidária indica que o essencial é reunir e unir para se colocar em movimento. É essa essência que, por exemplo, na vida sindical, criou e sustenta o DIEESE nessas seis décadas!

O Papa Francisco, movido pelos mesmos propósitos que animaram a militância e a atuação profissional de Barelli, fez, no 1º de maio deste ano, um chamado aos jovens de todo o mundo, de todas as crenças e nacionalidades, para que compartilhem suas pesquisas em busca de uma outra economia, além das experiências de produção em bases solidárias.

De 26 a 28 de março de 2020, o evento intitulado "Economia de Francisco" será realizado na cidade italiana de Assis. Nas palavras do Papa: “um evento que me permita conhecer quem hoje está se formando e começando a estudar e a praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda. Um evento que nos ajude a estar juntos e nos conhecer e que nos leve a fazer um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã” (Para mais informações e inscrições, visite o site: 
https://francescoeconomy.org/).

Entre os palestrantes já confirmados estão Amartya Sem, economista e filósofo indiano, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1998; Muhammad Yunus, economista e empreendedor social de Bangladesh, que conquistou o Nobel da Paz em 2006; Vandana Shiva, professora e ativista ambiental indiana; e o americano Jeffrey Sachs, economista e analista de políticas públicas.

No convite, o Papa ressalta acreditar que "as universidades, empresas e organizações são laboratórios de esperança para novas formas de compreender a economia e o progresso, combater a cultura do desperdício, dar voz a quem não tem nenhuma e propor novos estilos de vida".

O movimento sindical brasileiro tem muito a contribuir com essa mobilização, ao mesmo tempo em que pode aproveitar esse chamado para animar esforços de reinvenção diante dos desafios que vêm enfrentando.

As novas formas de produção e de organização geram outras relações sociais, impondo diferentes dinâmicas econômicas, sociais, culturais e políticas. Para o movimento sindical, há o desafio de se reinventar para ser relevante nesse novo mundo. O desafio é a reorganização com a perspectiva do futuro.

O sindicato é uma organização e estrutura a serviço das lutas dos trabalhadores – e isso deve ser compreendido no sentido radical, cujo futuro dependerá do que os trabalhadores que constroem o novo mundo fazem e farão. Serão esses trabalhadores que, ao ocupar posições no sindicalismo, desenharão essas entidades.

E há milhões de jovens trabalhadores nesse universo, que hoje ainda estão afastados das entidades sindicais. E sem trabalhadores não haverá futuro para os sindicatos.

A reorganização que fará surgir uma “alma sindical” compatível com o mundo que nasce será organizada na fonte das novas contradições que essas transformações criarão no sistema produtivo e nas relações sociais de produção. O fosso das desigualdades aumenta as injustiças sociais; a conexão múltipla e, em tempo real, tem levado à solidão e ao isolamento; o consumismo, o individualismo e a prevalência do imediato geram depressão; a pressão por resultados e lucro traz o fracasso e a banalização; o emprego e a ocupação precários e flexíveis conduzem à desproteção; o poder da riqueza e do mérito dos ricos promove o desespero e a frustração dos pobres.

Esse novo mundo de contradições reabrirá as portas para que a solidariedade possa emergir como valor a criar possibilidades de outros modos de vida em sociedade e a tolerância seja reinstituída como instrumento para definir como a sociedade viverá. A filosofia resgatará a razão e a pedagogia, a arte de aprender com o outro.

Por isso, um projeto para um sindicato desse novo mundo nascerá das lutas dos novos trabalhadores que constroem outro universo. A reorganização sindical deve ser um projeto de transição que aposta no sindicato como instrumento a ser renovado pelas lutas dos novos trabalhadores.

A Economia de Francisco propõe a interconexão entre o cuidado com o meio ambiente, a justiça social e a solução dos problemas estruturais da economia mundial. Nas palavras do Papa, “é necessário corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações”.

Para difundir a convocação do Papa e mobilizar interessados em se integrar a esse evento, foi criada a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco, da qual participam movimentos sociais, coletivos de educação popular e cultura e economistas. O DIEESE foi convidado a colaborar com essa articulação, o que temos feito com alegria e esperança.

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