Espanha: um novo acordo com perspectiva social (parte 1)

Espanha: um novo acordo com perspectiva social (parte 1)

Clemente Ganz Lúcio[1]

Atenção! Há uma novidade importante na Espanha: foi  celebrado um acordo inédito nas duas últimas décadas que recola o trabalho e a perspectiva social como eixos estruturantes e estratégicos para o desenvolvimento. Comecemos pelo contexto anterior ao acordo (parte 1).
A Espanha enfrenta há décadas graves problemas econômicos que resultaram em recessões e crônico de desemprego. Inúmeras iniciativas flexibilizaram as relações laborais, os direitos sociais e fragilizaram os sindicatos.
            A reforma trabalhista espanhola, que vem acontecendo nas duas últimas décadas, foi revisada e ampliada em 2012, quando a economia do país enfrentava a segunda recessão em 10 anos. Seguindo o mesmo receituário aplicado desde 2008 para flexibilizar o mercado de trabalho em muitos países, a reforma laboral espanhola tratou de tirar incentivos à criação de postos de trabalho temporário (elevou o custo de indenização dos temporários de 10 para 12 dias por ano trabalhado); facilitou os procedimentos para realizar demissões, por exemplo, ao diminuir o custo das dispensas (indenização por ano trabalhado caiu de 45 dias para 33); abriu a possibilidade para encurtar a jornada e reduzir o salário; alterou o sistema de relações de trabalho, limitando o poder das negociações gerais ou setoriais e favoreceu os acordos por empresa. Em uma economia de câmbio fixo (Euro), a reestruturação buscou criar mecanismos para diminuir o custo do trabalho para recuperar a competitividade da economia.
            Os resultados logo apareceram. O desemprego passou de 21% para 27%, motivado pela redução do custo de demissão dos trabalhadores com contratos de prazo indeterminado, incentivando a rotatividade para reduzir custos trabalhistas. O desemprego volta a ser reduzido, atualmente está em 16%. A flexibilidade criada pela nova legislação acelerou a criação de postos de trabalho no momento da retomada econômica, predominantemente precários, com contratos de trabalho intermitentes e de jornada parcial, com menores salários e direitos laborais, com ocupações temporárias, com prazo determinado ou reduzido.
            A reforma alcançou o objetivou de ampliar o protagonismo do empregador para regular para baixo os custos laborais e os salários. Houve queda dos rendimentos do trabalho por causa da aplicação dos novos mecanismos e da rotatividade.
            A economia espanhola enfrenta hoje o desafio decorrente dessa política: arrocho salarial e precarização dos empregos reduzem a massa salarial, geram insegurança e deprimem a capacidade de consumo do mercado interno, ou seja, enfraquecem a demanda interna de consumo, geram pobreza e contribuem para o aumento da desigualdade. A economia anda de lado!
            A Espanha que “inspirou” o projeto de reforma laboral brasileiro fez, desde os anos 80, mais de mais de 50 mudanças nas instituições e na legislação laboral, sempre buscando saídas para a competitividade e o emprego. A experiência mostra que o problema continua, agora com o desemprego crônico e um grande número de trabalhadores temporários ou jornada parcial, insegurança laboral e fragilidade da demanda interna dos rendimentos do trabalho.
            Em outubro passado houve uma guinada política importante na Espanha com o acordo assinado entre o governo e o grupo confederado Unidos / Podemos / En Marea / En Común Podemsobre o Orçamento Geral do Estado para 2019, que inclui novos compromissos para o desenvolvimento de “um Estado Social”. É muito interessante o conteúdo desse acordo, que apresentaremos no próximo artigo, porque indica uma reversão de parte das reformas acima indicadas. Talvez aponte possibilidades para o nosso futuro, que espero, seja menos distante. Indica, com certeza, a importância da engenharia política na construção dos caminhos a percorrer, a relevância do diálogo entre as forças socais e politicas democráticas e progressistas orientadas para o entendimentos em torno de uma estratégia nacional de desenvolvimento.


[1]Diretor técnico do DIEESE.

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