Reforma trabalhista no contexto de profundas mudanças

Reforma trabalhista no contexto de profundas mudanças
Clemente Ganz Lúcio[1]

A reforma trabalhista aprovada pela Câmara dos Deputados e, agora, em debate no Senado Federal, é parte essencial de um projeto maior de transformação das condições institucionais para reorientar o desenvolvimento econômico do Brasil. Opera-se uma estratégia de abertura para a entrega dos principais ativos produtivos do Brasil ao capital estrangeiro, mobilizando-o para ser a locomotiva que dinamizará pelo investimento produtivo a retomada e sustentação do crescimento econômico.
O Brasil é uma das maiores economias do planeta. Tem terras férteis e uma grande fronteira de expansão agrícola, que fazem do país um grande produtor de alimentos do mundo. Minérios e água potável abundantes, biomas que reúnem reservas naturais de valor econômico e ambiental incalculáveis. Caminha-se aceleradamente para entregar o pré-sal, busca-se viabilizar a venda de terras a estrangeiros, eliminam-se os índios, abre-se o espaço aéreo e escancara-se as fronteiras comerciais. Já não detemos propriedade intelectual sobre a inesgotável diversidade de insumos presentes nos diversos biomas, tornando-nos devedores eternos de royalties para o capital internacional. A base industrial brasileira, uma das maiores do mundo, foi sucateada e é vendida a “preço de banana”. Os serviços públicos de educação e saúde foram disponibilizados para o interesse privado. Cerca de 85% da população brasileira vive nas cidades, o que faz do espaço urbano uma oportunidade única para investimentos industriais em infraestrutura. A lista é muito longa. O Brasil está muito barato e a riqueza financeira internacional ávida por ativos. O país se entrega ao capital externo, com concessões, vantagens, crédito e segurança cambial.
A visão dos investidores estrangeiros são repercutidas na mídia, como a de Maurício Molan, o economista-chefe do banco Santander, que em entrevista afirmou: “Converso com empresas multinacionais e a pergunta mais comum é: ‘agora é hora de comprar ativos?’ Eu respondo que sim. O câmbio está em patamar favorável em termos históricos, os preços dos ativos estão baratos. É hora de comprar Brasil”.
Já o analista-chefe da Janus Capital Group (gestora americana com quase US$ 200 bilhões em fundos - Petrobras, Itaú Unibanco, Iochpe-Maxion, Suzano e Marfing fazem parte da carteira de investimentos no Brasil), Janus Raghoonundon, disparou sobre a Petrobras: “Realmente acredito que a companhia tem um valor intrínseco e está barata relativamente a seus ativos. Existe muito potencial para a Petrobras para um investidor de longo prazo”. Avançando sobre as escolhas do país, soltou: “O Brasil tem que decidir se pretende aceitar grandes quantidades de companhias estrangeiras controlando ativos-chave de infraestrutura. E, claro, essas companhias estrangeiras vão ter que ser compensadas pelo risco que vão tomar”. 
As condições complementares e essenciais são destacadas no início da entrevista de Janus. A estabilidade política de um novo governo que encaminhará as reformas – assim esperava ele em 2016 – é que dará estabilidade. Os potenciais investidores não querem ver as reformas rejeitadas. E quais seriam essas reformas? Nas palavras de Janus: “Vamos monitorar a aprovação de todas, como a da previdência e dos benefícios trabalhistas”.
A redução do tamanho do Estado abre espaço para o setor privado e busca gerar superávit primário para garantir o fluxo dos juros da dívida pública. A redução do gasto previdenciário é peça essencial para garantir essa estratégia, motivo da urgência da reforma em curso no Congresso.
            Mas há algo muito mais importante: criar as condições institucionais para a redução estrutural do custo do trabalho, fator fundamental para que o capital realize neste território sua valorização integrado às cadeias globais de valor – matéria prima abundante, função produtiva na divisão internacional do trabalho, baixos custos salariais e logísticos, alocação geoeconômica para o mercado nacional e da América, etc.
A Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Reforma Trabalhista, que agora tramita no Senado Federal, alterando mais de 100 artigos e outros 200 dispositivos da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. A complexidade da matéria e sua amplitude se distribui em centenas de alterações processuais, difíceis de serem mensuradas e percebidas os alcances e impactos que causará. A sutileza perversa do projeto é criar múltiplos procedimentos que operarão, no cotidiano das relações de trabalho, mudanças estruturais que reduzirão o custo do trabalho (salários, jornadas e condições de trabalho) e darão progressiva segurança jurídica às empresas.
Abre-se a possibilidade permanente de negociação da redução dos direitos trabalhistas a partir da relação direta da empresa com o trabalhador, ou com uma comissão sem caráter sindical, ou com os sindicatos. Desloca-se o sentido da mediação promovida pelo diálogo social para tratar dos conflitos para procedimentos de enquadramento da força de trabalho à justa medida da disposição do capital.
Limita, desmobiliza, impede e enfraquece o sentido agregador e solidário do sindicato como instrumento de representação coletiva de interesse capaz de reduzir a desigualdade de poder entre o trabalhador e o poder absoluto do empregador para contratar e demitir. Criam-se as bases para a formação do sindicalismo por empresa, sonho neoliberal do século XXI.
A proposta rebaixa o padrão de proteção, reconhecendo como legal as diversas práticas de precarização das condições de trabalho e de flexibilização de formas de contratação, estabelecendo a submissão real e formal dos trabalhadores aos processos de redução do custo do trabalho empreendidas pelo capital.
Contrato com jornada zero hora, um exército de reserva em estado permanente de alerta e angustia na espera do contato da empresa, na insegurança que o dia, ou a semana, ou o mês, terminem com jornada 0 hora! Ou a jornada parcial, com salário parcial. Ou a terceirização sem limite, com menores salários e direitos. Ou a condição de permanente trabalhador disponível pelo teletrabalho, controlado pela internet, celular e computador que ele mesmo financia. Ou o trabalho em casa, que transforma esta em em insumo produtivo da empresa contratante.
Enfim, o sonho conspícuo do indivíduo empoderado de liberdade, experimentando no cotidiano as inovadoras práticas de gestão de RH, na qual operadores da lógica do capital submeterão, enquadrarão e empregarão como recursos os humanos denominados de colaboradores.


[1]Diretor técnico do DIEESE.

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