Reforma trabalhista e organização sindical: reformismo oculto - Regra inédita enfraquece sindicatos
Reforma trabalhista e organização
sindical: reformismo oculto
Regra inédita enfraquece sindicatos
Clemente Ganz Lúcio
Diretor Técnico do DIEESE
A nova legislação trabalhista, ao
enfraquecer o poder de negociação dos sindicatos e reduzir o financiamento
deles, impõe uma reforma sindical, cuja constitucionalidade vem sendo
questionada por argumentos jurídicos consistentes.
Duas das
principais fontes de financiamento sindical, que representam cerca de 70% da
receita corrente das entidades, estão sendo atacadas. Uma é a contribuição
sindical (desconto anual de um dia de trabalho de todos os empregados),
destinada à manutenção de sindicatos, federações, confederações e centrais
sindicais; e ao Ministério do Trabalho. Tinha caráter obrigatório desde que foi
implantada, mas, com a atual legislação, passou a ser facultativa.
A outra
receita importante é a contribuição assistencial, feita pelos trabalhadores às entidades
sindicais que os representam, por ocasião das negociações coletivas de
trabalho. O Supremo Tribunal Federal tem atuado incisivamente para proibir o
desconto dessa contribuição dos trabalhadores não associados aos sindicatos.
Tudo indica que a finalidade é quebrar o movimento
sindical. Se não fosse esse o propósito, a legislação asseguraria mecanismos
para um processo de transição.
Promotores
e apoiadores da reforma sindical afirmam que o movimento sindical deverá se
financiar com a prestação de serviços assistenciais, médicos, jurídicos e de
lazer, entre outros, o que só confirma a intenção de atacar a organização
sindical.
Os
sindicatos são uma criação histórica dos trabalhadores em resposta à exploração
do trabalho realizada pela organização da produção capitalista. O sindicato
representa o elo entre os trabalhadores que o constituem, um sujeito coletivo.
A intencionalidade dessa “reunião” é criar uma identidade alternativa e
independente daquela expressa pela soma de trabalhadores subordinados à
empresa. Trata-se de uma união mobilizada pela solidariedade, oriunda da
identidade de classe, que cria um poder capaz de gestar esse sujeito coletivo.
Para que serve o sindicato? Para reunir e mobilizar os
trabalhadores para lutar pela parte que lhes cabe na produção, o que se
expressa em melhores salários e benefícios; em condições de trabalho adequadas;
em saúde e segurança; em bem-estar e qualidade de vida.
Os
sindicatos foram criados para elaborar, promover e defender regras para as
relações de produção, o que envolve formas de contratação, jornada e condições
de trabalho, saúde, segurança etc. Também têm papel fundamental na distribuição
econômica e social dos resultados alcançados, além de conduzir inúmeras lutas
econômicas, políticas, sociais e culturais que integram a história da classe
trabalhadora. Eles geram e entregam o que chamamos de direitos trabalhistas e
sociais. Para isso se organizam, mobilizam os trabalhadores e a sociedade,
investem em formação, produzem e difundem informação, conhecimento e opinião.
São financiados pelos trabalhadores e, em diversas partes do mundo, têm apoio
do poder público.
A produção social dos direitos se dá na relação entre o
sindicato, como sujeito coletivo de representação dos trabalhadores, e o
empregador (privado ou público) ou a representação coletiva empresarial. Essas
representações negociam e celebram convenções ou acordos coletivos nos quais
são definidos direitos e deveres para as partes, que, para o trabalhador,
incorporam-se ao contrato individual de trabalho.
Há
procedimentos pelos quais os trabalhadores deliberam e delegam poder de
representação - ao estabelecer o estatuto do sindicato, eleger a diretoria,
aprovar uma pauta, definir uma greve ou aprovar uma proposta de acordo. Os
trabalhadores são individualmente convocados e, em assembleia, delegam poderes
de representação ao sindicato.
A definição de quem se beneficia dos
direitos produzidos e conquistados pelos sindicatos é questão fundamental, que orienta todo o sistema de relações de
trabalho, influencia diretamente a estrutura e a organização sindical e
determina a base de financiamento. Os sistemas de relações de trabalho, mundo
afora, estabelecem dois critérios básicos: a) só os associados ao sindicato são
beneficiários ou b) todos os trabalhadores
da base do sindicato são beneficiários, independentemente da associação.
Na
primeira hipótese, a tendência é haver alto índice de sindicalização, uma vez
que os trabalhadores querem acessar os direitos conquistados pelo sindicato.
Com isso, os sindicatos são mais fortes e têm mais facilidade de constituir
organizações nos locais de trabalho. Os sócios financiam a estrutura, a
organização, a mobilização e as negociações que conquistam os direitos. Quem
não é sócio não tem acesso ao direito.
Na segunda hipótese, criam-se mecanismos para definir as
atribuições e responsabilidades de sindicalizados e não sindicalizados nas
tomadas de decisão sobre questões que tratam dos interesses do conjunto da
categoria, como a celebração de acordos cujos direitos valem para todos. Cabe
aos sindicatos construir a estrutura, organização e mobilização para a
implementação das ações que lhes são confiadas. Nesse caso, os trabalhadores
não filiados também financiam, de maneira obrigatória, o sindicato que os
representa.
Os sistemas admitem que o trabalhador tem o direito de se
recusar a delegar poder de negociação e a financiar o sindicato. Essa
manifestação poderá ser expressa de duas maneiras: a) em assembleia, com a
participação nos debates e na deliberação coletiva, o que torna obrigatório o
cumprimento das decisões da maioria – pelo sindicato e pelos trabalhadores; b)
ou individualmente, forma pela qual o trabalhador recusa, simultaneamente, o
acesso ao direto conquistado pelo sindicato e a obrigação de financiar a
entidade.
O que não existe é essa situação prevista na nova lei no
Brasil, em que o acesso ao direito é amplo e total e a contribuição do
trabalhador, optativa. A escolha feita pela Reforma Trabalhista deve ser
alterada se queremos fortalecer o sistema de relações de trabalho no Brasil e o
papel dos sindicatos.
Essa
questão foi tratada no Fórum Nacional do Trabalho, em 2004, pelas
representações de empregadores, de trabalhadores e de governo. Um debate
profundo analisou o sistema de relações de trabalho, as negociações, a solução
ágil de conflitos, a representatividade das entidades sindicais, entre outros
temas. Os empregadores e trabalhadores afirmaram ali que almejavam um sistema
no qual convenção e acordo coletivo contemplassem todos os trabalhadores –
sócios e não sócios do sindicato. O sistema de relações de trabalho foi, então,
redesenhado, com regras para gerar convenções coletivas - com validade e abrangência
para todos os trabalhadores de uma categoria e todas as empresas de um setor
econômico – ou acordos coletivos, para todos os trabalhadores de uma ou mais empresas
(acordos).
Nesse modelo, cabe a todos os trabalhadores deliberar em
assembleia, convocados pelo respectivo sindicato: (a) se querem abrir uma
negociação e em que condições; (b) quais as propostas ou a pauta para a
negociação; (c) qual o plano para conduzir as negociações; (d) como financiarão
a ação sindical. As decisões serão de responsabilidade de todos e todos serão
beneficiários dos resultados.
O
instrumento para financiamento indicado no Fórum foi a cobrança de uma taxa ou
contribuição negocial devida por todos, quando autorizada a negociação, cujo
valor seria definido pela assembleia que autorizasse a negociação, com regras
estipuladas nos estatutos da entidade e com limite máximo do valor a ser pago.
Ainda se
apontou a necessidade de que as entidades sindicais mantivessem um sistema de
prestação de contas à categoria (dos resultados das negociações e da aplicação
dos recursos arrecadados), como prática de boa governança e relação com os
trabalhadores.
A Reforma deixou tudo para trás.
Daqui para a frente, a essência da disputa será
estruturar e desenvolver um modelo coerente de sistema de relações de trabalho,
constituído por entidades fortes e representativas, para revigorar as
negociações coletivas. Requererá não só aportar regras de convenções e acordos
coletivos, mas também mudar a atual legislação. Para virar o jogo, será preciso
muita força, a fim de mobilizar os trabalhadores para que eles se coloquem como
sujeitos coletivo nessa disputa!
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