Aperto e austericídio: a ampla agenda das reformas neoliberais no Brasil

Link PDF

 

 

Clemente Ganz Lúcio[1]

 

Concluída a atual etapa da reforma da previdência social, o Governo Federal, através do Ministério da Economia, vem anunciando o escopo geral das reformas que pretende encaminhar e iniciou a apresentação e encaminhamento ao Congresso das medidas propositivas. Desafios complexos e amplos se colocam no caminho do movimento sindical e de toda sociedade brasileira.

Na sequência da reforma da previdência social já esta sendo votado no Senado Federal uma nova PEC que trata das regras para que governos estaduais e municipais promovam a reforma da previdência para servidores públicos. Também já tramita no Senado o Projeto de Lei para regular a concessão de aposentadorias especiais e para trabalhadores expostos à riscos. Há estudos para limitar ou impedir que a Justiça  autorize aposentadorias e dar tratamento aos passivos previdenciários e tributários.

Tramita na Câmara dos Deputados a MP do FGTS que altera as regras de saque e faz outras mudanças na gestão e no uso dos recursos do Fundo.

Nesta semana o Plano Mais Brasil começou a ser apresentado e encaminhado por meio de três PECs (Propostas de Emenda Constitucional).

A primeira PEC trata do Pacto Federativo com múltiplas dimensões. Primeiro autoriza desobrigar, desindexar e desvincular receita e despesas orçamentárias, tais como: altera forma de orçar e gastar com educação e saúde; transfere diretamente para estados e municípios o salário-educação; diminui para 14% a parcela do FAT alocada para o BNDES; a União deixa de conceder crédito para Estados pagarem precatórios; despesas obrigatórias serão desindexadas quando houver situação de emergência fiscal, ou seja, congeladas e sem correção pela inflação, inclusive salários de servidores que deixam de ter a obrigatoriedade de reajuste anual; acaba com as receitas vinculadas a órgãos, fundos ou despesas. Segundo, faz restrições à criação de novos municípios e indica medidas para incorporação/fusão de municípios com menos de 5 mil habitantes que não tenham arrecadação própria de no mínimo 10% da arrecadação total. Terceiro, cria o marco constitucional da nova ordem fiscal, formando o Conselho Fiscal da República para analisar a situação fiscal dos entes federados; extingue o Plano Plurianual (PPA); passa a reavaliar a cada 4 anos os benefícios tributários, não podendo ultrapassar 2% do PIB a partir de 2026, o que significa redução de 50%. Promove a transferência dos royalties da União para Estados e municípios; propõe o fim do aval da União para empréstimos de Estados e municípios a partir de 2026 e o fim do socorro da União para Estados quebrados a partir de 2026. Novas regras para as contas públicas, que permite contingenciamento orçamentário para poderes estaduais e municipais e integração das regras fiscais – Lei de Responsabilidade Fiscal e teto dos gastos em todas as esferas de governo. Cria o Estado de Emergência Fiscal, que poderá ser acionado quando a União descumprir a regra de ouro e para Estados e municípios quando gastos correntes ultrapassar 95% da receita corrente; suspende a promoções de funcionários; impede reajuste salarial de servidores, a criação de cargos, a reestruturação de carreiras, concurso e proíbe criar verbas indenizatórias; suspende a criação de despesas obrigatórias e benefícios tributários.

A segunda é a PEC Emergencial que dá instrumentos permanentes a Estados e municípios para ajustar as despesas para equilibrar as contas e cria condições especiais para que União, Estados e municípios, por 2 anos, recuperarem a saúde financeira, por exemplo, com redução de até 25% da jornada e salários de servidores, ou o congelamento do salário mínimo.

A terceira é a PEC dos fundos públicos, revisando os 281 fundos públicos, propondo a extinção da maioria e podendo usar saldos existentes nesses fundos para abater dívida pública e os fluxos futuros que iriam para esses fundos podem ser usados para programas de erradicação da pobreza e reconstrução nacional.

O governo afirma deve anunciará novas medidas da reforma administrativa, o que implicará na fusão e extinção de órgãos, nova estrutura de carreiras, fim estabilidade por até os primeiros 10 anos a partir da seleção, alteração de direitos, implantar sistema de avaliação, entre outras medidas.

reforma tributária já está andando no Congresso com dois projetos em debate e o governo enviará sua proposta, alterando Confins, PIS, IPI, ICMS, entre outras propostas.

Aperfeiçoar e desenvolver o Plano Nacional de Desestatização, avaliando a cada período o desemprenho das empresas deficitárias; criar medidas legislativas diretas (venda) ou indiretas (abertura de capital) para privatizar as empresas estatais mães (Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa) e encaminhar a venda de 30 empresas estatais (ver lista no final). O esquartejamento autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para privatização das subsidiárias das empresas estatais segue em velocidade acelerada. Por exemplo, nesta semana a Petrobrás concluiu a venda da Liquigás, empresa distribuidora de gás.  

Encaminhada a realização do mega leilão do pré-sal. Realizado nesta semana a primeira etapa, o mega-leilão da cessão onerosa do pré-sal decepcionou investidores quando alguns deles, os mais importantes, saíram da disputa. A Petrobrás arrematou 2 campos (Búzios e Itaipu) por R$ 63 bilhões. Ufa! Uma boa notícia! O fracasso dos investidores é a esperança do país.

Dar andamento para a Carteira Verde e Amarela, autorizando a contratação de jovens de 18 a 29 anos no primeiro emprego com desoneração de contribuições sociais, previdenciárias e FGTS (que passará para 2%). Mesma regra para pessoas com mais de 55 anos.

Alterar regras do sistema público de emprego, dando às empresas privadas de intermediação a função de executar essa política pública e criar novas regras para a oferta de formação profissional privada.

Revisão em curso de todas as normas de saúde e segurança no trabalho.

Elaboração de projeto para encaminhar a reforma sindical com graves riscos de fragmentação e pulverização sindical com olhos para o sindicalismo por empresa.

Há medidas de impacto econômico amplo e profundo como a independência do banco central; a implantação de novas regras cambiais que autorizariam depósitos em dólar no Brasil; a securitização de dívida pública; as mudanças para ingressar na OCDE, com abertura comercial unilateral e a redução de impostos de importação; a reoneração tributária de produtos agrícolas ou semimanufaturados exportados.

Essa agenda exigirá uma atuação do movimento sindical no sentido de esclarecer os trabalhadores dos impactos dessas medidas, bem como atuação institucional junto aos parlamentares para disputar todas essas propostas. Desafios complexos exigirão respostas estratégicas e propostas articuladas com um projeto nacional de desenvolvimento que reindustrialize o país e promova o desenvolvimento econômico regional, agregue valor e incremente a produtividade, combata a desigualdade e a pobreza, gere emprego de qualidade e aumente da renda do trabalho.

 

ESTATAIS PRIORITÁRIAS PARA VENDA (publicado pelo Jornal Folha de São Paulo, 03/11/19)

Setor

Empresa

Infraestrutura e logística

·      Infraero

·      Telebras

·      Eletrobras

·      EPL (planejamento e logística)

·      Valec (ferrovias)

·      Trensurb (Porto Alegre)

·      CBTU (trens urbanos)

Companhias Docas

·      CDC (Ceará)

·      CDP (Pará)

·      CDRJ (Rio de Janeiro)

·      Codba (Bahia)

·      Codern (Rio Grande do Norte)

·      Codesa (Espírito Santo)

·      Codesp (São Paulo)

·      Codomar (Maranhão)

Companhias de armazéns e abastecimento

·      Conab (Cia Nacional de Abastecimento)

·      Ceagesp (SP)

·      Ceasaminas ( MG)

·      Casemg (armazéns e silos de MG) 

Empresas de Pesquisa

·      Embrapa (pesquisa agropecuária)

·      EPE (energia)

·      CPRM (recursos minerais)

Tecnologia

·      Ceitec (cetecnologia eletrîonica)

·      Dataprev (Previdência Social)

·      Serpro (processamento de dados)

Saúde

·      Hemobrás (hemoderivados e biotecnologia)

·      Hospital Nossa Senhora da Conceição

Comunicação

·      EBC (Empresa Brasileira de Comunicação)

·      ECT (Correios)

Outras

·      Casa da Moeda

·      ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias)

·      Emgea (Empresa Gestora da Ativos)

·      Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)

·      Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos vales do Dã9. Francisco e do Parnaíba) 

 



[1] Sociólogo, diretor técnico do DIEESE.

Comentários