Uma regra de ouro nas relações de trabalho (Terapia Política)

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Uma regra de ouro nas relações de trabalho

 

Clemente Ganz Lúcio[1]

 

Uma das principais atribuições dos sindicatos é promover a ampla proteção coletiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, regulando por meio de acordos ou convenções coletivas as regras que regem as relações de trabalho. Definem assim os parâmetros de correção e de aumento dos salários, de duração e controle da jornada de trabalho, tratam das formas e procedimentos de contratação, dos benefícios diretos e indiretos (auxilio creche, vale transporte, auxilio moradia etc), dos adicionais de férias, hora extra, periculosidade, insalubridade, de formação profissional, de regras para promover a igualdade entre homens e mulheres, para combater o racismo, entre outros itens que compõem a pauta sindical e que fazem parte dos processos negociais.

Quem se beneficia e deve seguir as regras estabelecidas em acordos ou convenções coletivas? Todos os trabalhadores e todas as empresas ou somente os seus sócios? A resposta a esta questão define característica essencial de um sistema de relações de trabalho.

Há países no qual o sistema de relações do trabalho define que as regras estabelecidas pelos contratos coletivos protegem e devem ser seguidas somente pelos associados, sejam os trabalhadores, sejam as empresas. Ou seja, de um lado, somente as empresas filiadas a uma organização empresarial que negociou e celebrou uma convenção coletiva terão a obrigação de cumprir suas regras e, de outro lado, somente terão acesso às regras e delas se beneficiarão os trabalhadores sindicalizados. Portanto, neste caso, as empresas não sociais não precisam cumprir aquelas regras estabelecidas nos instrumentos coletivos e os trabalhadores não sindicalizados não tem acesso aqueles direitos ou proteção.

Os países que praticam essa norma e considerando os efeitos perversos das exclusões acabam adotando procedimentos corretivos como de atribuir ao governo, à justiça ou próprio setor empresarial, o direito de estender os benefícios de um contrato coletivo aos trabalhadores não sindicalizados ou vincular as empresas não filiadas a seguirem um determinado contrato coletivo ou, ainda, estas aderem voluntariamente.

Esses modelos favorecem e incentivam uma concorrência desequilibrada entre empresas, atuam para aumentar as desigualdades salariais, econômicas e sociais, as disputas são mais frequentes e os conflitos em maior número e intensidade.

No Brasil, e em muitos outros países, adota-se outra regra que formata um modelo diferente. Há uma sábia regra que vale ouro para o sistema de relações de trabalho e o sistema sindical.

A concepção que fundamenta o nosso sistema de relações de trabalho considera o sindicato uma organização de representação coletiva de interesse geral, tanto dos trabalhadores como dos empregadores. Como tal, as entidades sindicais têm a atribuição constitucional para definir as regras que regem as relações de trabalho de todos os que fazem parte de um âmbito de negociação.

A representação coletiva reúne todos os trabalhadores como categoria profissional de um lado, e de outro, todos os empregadores estão agrupados como categoria econômica. Através dessa reunião expressam seus interesses gerais e específicos delegando aos sindicatos e estes, quando necessário, às suas estruturas verticais, o poder de representação e de pactuação. A atribuição constitucional de definir regras e normas para as relações de trabalho por meio de acordos ou convenções coletivas que são vinculantes para todos os que participam de um âmbito de negociação é uma regra de ouro.

Portanto, no sistema de relações de trabalho brasileiro, o sindicato representa nos processos negociais o coletivo abrangido pelo âmbito de negociação, sócio e não sócio. Essa regra atribui um poder regulador essencial e de alta escala aos sindicatos, de trabalhadores e patronais, o que repercute em princípios para o exercício dessa representação coletiva.

A experiência e as normas consagraram as assembleias, nas quais participam sócios e não sócios, como a instância de legitimação do sujeito sindical para o exercício da representação coletiva. São as assembleias e os processos de consulta e de deliberação, atualmente também recepcionados pelos meios virtuais e pela internet, o meio de expressão e de processamento deliberativo para autorizar o sindicato a iniciar e conduzir um determinado processo negocial, formar a pauta com as demandas ou propostas das partes, tratar das estratégias e planos de negociação e de campanhas, debater e deliberar sobre cada etapa, tratar da greve ou das mobilizações, deliberar pelo aceite da proposta construída na mesa de negociação, autorizar a assinatura do acordo e a forma de financiar os investimentos no processo negocial e na organização sindical.

Todos devem ser convocados para uma participação que é voluntária, porém deliberativa, autorizatória, com direito propositivo e de oposição. Ausência significa delegação para a deliberação tomada pela maioria.

Essas regras que estendem os termos estabelecidos nas negociações para todos, também denominada de erga omnes, geralmente está definidas nas leis que regulam o sistema de relações de trabalho, as negociações coletivas e o sistema sindical. A literatura indica que esse modelo simplifica o sistema, reduz custos de transação para as empresas, atua para aumentar a equidade salarial, econômica e social, diminue as disputas entre empresas e reduz os conflitos. Essa regra faz parte do sistema sindical brasileiro e uma expressão da sua virtude.



[1] Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

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