Negociação coletiva e a estratégia de desenvolvimento produtivo (Poder 360)

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TECNOLOGIA, INOVAÇÃO E TRABALHO: A NEGOCIAÇÃO COLETIVA REGULANDO AS RELAÇÕES DE TRABALHO EM CONTEXTOS DESRUPTIVOS

 

Clemente Ganz Lúcio[1]

 

Inovar para todos viverem bem. A inovação é essencial para um sistema produtivo pujante e, ao mesmo tempo, base de uma estratégia de desenvolvimento para gerar um modo bom de viver para todos, com bons empregos e salários.

As desigualdades são gravíssimos problemas que bloqueiam, para a maioria, um modo bom de viver, reproduzem iniquidades e injustiças e travam a capacidade do país e da nação de alcançar um adequado patamar de desenvolvimento coletivo. As desigualdades travam a própria inovação, mas dela dependem para serem superadas.

Quais são alguns dos interesses em torno das inovações? Dos trabalhadores, terem acesso a bons empregos, com bons salários, com proteções sociais, previdenciárias e trabalhistas. Aos empresários, interessa o incremento da produtividade, a melhoria contínua da qualidade e a adequada rentabilidade do investimento.

No contexto da relação entre produtividade, inovação e emprego, observa-se que a manufatura emprega cada vez menos e os empregos se deslocam para o amplo setor de serviços. Em todo o sistema produtivo, as inovações tecnológicas em curso promovem mudanças disruptivas para o mundo do trabalho, atingindo todos os postos de trabalho em todos os setores. A formação profissional adquirida se esgota rapidamente e passa a exigir atualização contínua.

Mas há inovação que aporta aumento da insegurança no emprego, que alastra a precarização e intensifica o ritmo de trabalho. A alta pressão por resultados produtivos tem acarretado ansiedade e estresse, o que cria um “novo normal” de uma força de trabalho crescentemente adoecida. Em muitos processos de inovação tecnológica, se geram maus empregos para muitos. Há o temor dos riscos de desemprego estrutural de longo prazo.

Em muitos territórios, a pobreza demanda transformações estruturais e as inovações passam longe da apropriação local para mudar a situação vivida e desbloquear o desenvolvimento local.

As mudanças na propriedade das empresas, para fundos de investimentos cada vez mais poderosos, alteram as dinâmicas da reprodução do capital, incluindo objetivos de redução permanente do custo do trabalho e novos tempos e métodos de distribuição de resultados, que geram o acúmulo de renda e de riqueza e fragilizam os investimentos. A inovação é usada para favorecer essa dinâmica.

A crise ambiental e a emergência da mudança climática são imperativos para mudanças nos paradigmas produtivos, de consumo e de organização da vida em sociedade. Será no campo da inovação que muitas respostas serão encontradas.

Historicamente, os empregos de qualidade fizeram parte da essência das políticas de coesão social que estruturaram as democracias no pós-guerra. Bem como, a regulação da distribuição do produto do trabalho combinou legislação trabalhista e direitos sociais, e alta capacidade das partes interessadas em promover a contratação coletiva.

Os sindicatos se constituíram em instituições de representação de interesse coletivo habilitadas nas democracias a promover, por meio da negociação coletiva, a regulação das condições de trabalho e a distribuição do produto econômico gerado pelo trabalho na forma de salário direto e indireto e de diferentes tipos de direitos. Por isso, estão habilitados para tratar do enorme conjunto de desafios disruptivos que as inovações tecnológicas, a digitalização, os novos materiais, entre outros, trazem para o sistema produtivo e para o mundo do trabalho.

Para responder a esses desafios, propomos sete diretrizes para orientar as estratégias nacionais de desenvolvimento produtivo e de inovação.

                

·      O desenvolvimento produtivo deve combinar reindustrialização, inovação, digitalização e transição verde justa para a geração de bons empregos e ocupações para todos e transformações estruturais nos territórios pró-igualdade.

·      As estratégias de ciência, tecnologia e inovação devem orientar-se pela intencionalidade de promover relações virtuosas entre trabalho e tecnologia, com especial atenção aos trabalhadores com menores qualificações, combinando políticas para o incremento da produtividade do trabalho em todos os setores e capacitações para a promoção de transformações nos territórios.

·      Os impactos das múltiplas inovações sobre o mundo do trabalho devem ser regulados prioritariamente por meio das negociações coletivas fortalecidas e incentivadas, realizadas pelas representações das partes interessadas, capazes de materializar acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho robustos e coetâneos com os novos desafios e com as mudanças em curso e prospectadas.

·      Um plano nacional de ciência, tecnologia e inovação deve ser materializado em planos locais e setoriais de inovação, visando favorecer transformações estruturais locais e setoriais consonantes com os objetivos estratégicos de desenvolvimento da região e do país.

·      Estabelecer a plena integração entre o sistema de inovação, a Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica e a Lei do Novo Ensino Médio.

·      Considerar a educação profissional capacitadora para a inovação como um direito permanente que se desenvolve durante toda a vida laboral, com oferta regular, normatizada na lei e na negociação coletiva e de acesso universal.

·      Criar o Observatório do Emprego, Inovação e Produtividade.

Essas diretrizes abrem uma agenda para tratar a relação entre o desenvolvimento, a inovação, o mundo do trabalho e as transformações estruturais que precisamos promover no país.



[1] Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, membro do Pacto de Combate às Desigualdades, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).

 



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