Redução da jornada de trabalho, crescimento econômico e o bem viver - Outras Palavras
Redução da jornada de trabalho, crescimento econômico e o bem viver
Clemente Ganz Lúcio [1]
A jornada de trabalho é um elemento estruturante da organização das relações de trabalho, da vida em sociedade e da forma de produzir economicamente. O contexto situacional presente e prospectivo indica transformações tecnológicas disruptivas na relação entre trabalho e produto econômico, mudanças demográficas profundas e desafios ambientais inéditos e dramáticos.
Nesse período histórico de transformações disruptivas, a redução da jornada de trabalho se colocará cada vez mais como um elemento essencial e estratégico para alçar novos patamares de desenvolvimento econômico, social, cultural e político. A redução da jornada de trabalho será uma inovação social e econômica, a ser construída por meio do debate político entre os sindicatos, a sociedade civil organizada, governos e parlamento, assim como será resultado de processos de diálogo social conduzidos nas negociações coletivas e materializados em acordos coletivos no âmbito das empresas ou convenções coletivas setoriais.
Faz pouco mais de 100 anos que a classe trabalhadora começou a conquistar a semana de 6x1 e de 5 x 2. Jornadas semanais de 48, 44, 40, 35 horas fazem parte de regulações nacionais e de contratos coletivos, construídos em processos longos de pactuação e de implementação. Nesse período de um século, concomitante à redução da jornada de trabalho, se observou crescimento econômico, incremento da produtividade, aumento dos salários e das proteções trabalhistas e sociais.
O assunto voltou à pauta do debate público no Brasil, no contexto da retomada da formulação de projetos e de estratégias de desenvolvimento industrial e produtivo, de inovação, de incremento da produtividade, de cooperação econômica entre países. Trabalhar melhor e menos para todos viverem bem e a economia crescer com sustentabilidade socioambiental é um objetivo a ser compartilhado.
O debate será longo e a oposição que de partida afirma a inviabilidade dessa pauta, já tem se colocado da mesma forma no passado. Nesse último século, os processos deliberativos avançaram e reduziram a jornada de trabalho, as economias cresceram e a qualidade de vida melhorou.
Um bom caminho é qualificar o debate com argumentos sólidos que nos permitam identificar as transformações em curso que geram exigências e oportunidades de outras mudanças e prospectar os desdobramentos desejados de futuro. Implementar a redução da jornada de trabalho exigirá planos de mudanças em múltiplas dimensões, implementados ao longo do tempo.
Uma boa contribuição para o debate sobre a redução da jornada de trabalho está reunida no livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado – como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia"[2], elaborado pelo economista Pedro Gomes[3]. Nesta obra, Gomes apresenta oito argumentos centrais que sustentam os benefícios dessa mudança para a economia e a sociedade:
· Estímulo à Demanda: o autor argumenta que a redução da jornada de trabalho aumentaria o tempo livre dos trabalhadores, incentivando o consumo de bens e serviços, especialmente nos setores de lazer, cultura e turismo. Essa elevação na demanda poderia impulsionar a economia, gerando crescimento econômico e criação de empregos. No contexto brasileiro, onde o consumo interno é um dos motores da economia, essa medida poderia fortalecer o mercado doméstico e promover o desenvolvimento de pequenas e médias empresas.
· Aumento da Produtividade: a literatura econômica sugere que jornadas de trabalho mais curtas podem levar a um aumento na produtividade. Trabalhadores mais descansados tendem a ser mais eficientes e engajados em suas atividades. A implementação de uma semana de quatro dias poderia resultar em um ambiente de trabalho mais saudável, reduzindo o absenteísmo e melhorando a qualidade do trabalho realizado.
· Incentivo à Inovação: com menos tempo disponível, as empresas seriam motivadas a otimizar processos e investir em tecnologias que aumentem a eficiência. Essa busca por inovação poderia tornar as empresas mais competitivas no mercado global, promovendo uma cultura de melhoria contínua e adaptação às mudanças tecnológicas.
· Aumento dos Salários: Gomes indica que a redução da oferta de trabalho, resultante da diminuição da jornada, poderia pressionar os salários para cima, especialmente em setores com alta demanda por mão de obra qualificada. Essa dinâmica poderia contribuir para a redução das desigualdades salariais e o fortalecimento do poder de compra dos trabalhadores.
· Redução do Desemprego: A necessidade de manter os níveis de produção com uma jornada reduzida pode levar as empresas a contratar mais funcionários, ajudando a diminuir as taxas de desemprego e reduzir a informalidade e rotatividade.
· Diminuição dos Movimentos Populistas: Gomes argumenta que a melhoria nas condições de trabalho e o aumento do bem-estar social podem reduzir o apelo de movimentos populistas que exploram o descontentamento da população decorrente da precarização, vulnerabilidade e insegurança no trabalho, com reflexos que poderia fortalecer as instituições democráticas e promover um ambiente político mais saudável.
· Melhoria na Qualidade de Vida: uma semana de trabalho de quatro dias proporcionaria aos trabalhadores mais tempo para atividades pessoais, lazer e convívio familiar, promovendo um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, em uma sociedade mais satisfeita e produtiva, com impactos positivos na saúde mental e física da população.
· Adaptação às Mudanças Tecnológicas: Com os avanços tecnológicos e a automação, muitos postos de trabalho tradicionais estão sendo transformados ou eliminados. A redução da jornada de trabalho pode ser uma resposta a essas mudanças, permitindo uma redistribuição mais equitativa do trabalho disponível e preparando a força de trabalho para os desafios do futuro.
Tempo livre não é tempo morto para a economia e para a vida das pessoas. A economia cresce e se torna mais criativa porque as pessoas fazem uso desse tempo livre que se transforma em demanda econômica e em bem estar social.
A implementação de uma semana de trabalho de quatro dias no Brasil requer uma análise cuidadosa dos setores econômicos, das condições sociais e das especificidades regionais. Deve fazer parte de acordos sociais que pactuam processos de incremento da produtividade, de difusão da inovação tecnológica, de industrialização, difundidos para todas a economia e com atenção especial para micro e pequenas empresas, que tratam da distribuição dos resultados em melhores empregos e salários e na redução da jornada de trabalho.
[1] Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).
[2] Pedro Gomes, “Sexta-feira é um novo sábado: como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia”, Editora Relógio D’água, Lisboa, 2022, 310 pp.
[3] Pedro Gomes, economista, professor de Economia em Birkbeck, Universidade de Londres, desde 2017. Tem atuado junto ao Governo de Portugal e organismos internacionais na implementação de projetos de redução da jornada de trabalho (4x3), pesquisador e debatedor sobre o tema.
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